O papel do investidor-anjo e o empreendedorismo no Brasil

O papel do investidor-anjo e o empreendedorismo no Brasil

Não há dúvidas de que o Brasil vive hoje uma das mais agudas crises econômicas de sua história. Nunca se noticiaram tantos números negativos e fatos controversos, como nos últimos três anos. Contudo, apesar de todo contratempo existente no cenário político-econômico brasileiro, há, atualmente, uma conjugação de fatores internos, como a massificação da internet móvel e seus aplicativos, as mudanças nos meios de pagamentos e na relação do brasileiro com o dinheiro, que tem contribuído para o surgimento de uma verdadeira onda de empreendedorismo digital no país.

Segundo reportagem recente da Revista Exame (Edição nº 1132, Ano 51, nº 4, 1º/3/2017), nos últimos anos, houve uma multiplicação de startups no Brasil. Hoje existem 4200, que realizam dezenas de apresentações atrás de recursos financeiros. Os principais fundos especializados em startups captaram quase 2 bilhões de reais para investir no país. O objetivo destes fundos é encontrar o “unicórnio”, jargão hoje em voga no Vale do Silício, para identificar as empresas de tecnologia que valem mais de 1 bilhão de dólares.

Nunca tanto dinheiro esteve à disposição dos empreendedores brasileiros. De acordo com um levantamento realizado pela ABStartups, que reúne dados do setor, o número de startups de tecnologia no país cresce 30% ao ano.

Neste contexto, tornou-se cada vez mais comum a figura do chamado investidor-anjo. O termo “anjo” surgiu na primeira metade do século XX para identificar indivíduos que financiavam produções teatrais na Broadway, de maneira semelhante aos patronos e mecenas que apoiavam artistas nos séculos anteriores.

Atualmente, pode-se dizer que investidores-anjo são pessoas físicas ou jurídicas que fazem investimentos com o seu próprio capital em empresas de estágio inicial. Geralmente são profissionais, executivos e empreendedores experientes que investem recursos e conhecimento em novos negócios, em busca de retornos financeiros significativos. O montante investido por investidores-anjo varia bastante, ficando entre R$50mil e R$500mil sendo R$97,5 mil a média investida por empresa, podendo exceder esses valores no caso de um investimento em grupo.

Objetivando regulamentar o papel do investidor-anjo no Brasil, em 27 de outubro de 2016, foi editada a Lei Complementar n. 155, que alterou importantes dispositivos (Arts. 61-A a 61-D) do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006).

De acordo com o novo regime, as startups poderão receber contribuições financeiras (chamadas pela lei de “aportes de capital”) de pessoas físicas e jurídicas ou de fundos de investimento por meio de um “contrato de participação”, que deverá especificar o propósito da contribuição e possuir prazo máximo de sete anos. Além disso, a atividade constitutiva do objeto social deverá ser exercida unicamente por sócios regulares, em seu nome individual e sob sua exclusiva responsabilidade.

Já o investidor-anjo não será considerado sócio nem terá qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa. De igual forma, não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial e na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, sendo remunerado por seus aportes, pelo prazo máximo de cinco anos. Caso os sócios decidam pela venda da empresa, o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição, bem como direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios regulares.

A lei determina, ainda, que o aporte de capital não deverá ser considerado receita da startup, para fins de enquadramento desta no Simples Nacional; tampouco, parte integrante do capital social. Ao final de cada período, o investidor-anjo fará jus à remuneração correspondente aos resultados distribuídos, conforme contrato de participação, não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade, enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte.

Como se observa, portanto, a nova regulamentação traz algumas importantes inovações que têm sido recebidas com bons olhos pelo mercado, em que pese haver diversas lacunas legais que deverão ser sanadas pela legislação e pela jurisprudência dos tribunais. A generalidade dos dispositivos da lei significa, por outro lado, uma abertura para que as partes possam acomodar mais livremente seus interesses no contrato de participação, o que tende a produzir bons resultados para o fomento deste universo, cada vez mais expressivo, do empreendedorismo em nosso país.