3 de agosto de 2023
Proibição da aviação agrícola no CE –STF, fatos e mitos
O Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) protocolou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) seus embargos de declaração contra o julgamento que decidiu pela constitucionalidade da lei do Ceará que proibiu o uso da aviação agrícola no trato de lavouras naquele Estado. O recurso foi apresentado dia 21 de junho – final do prazo após a publicação da decisão (no dia 14 de junho) do julgamento encerrado no dia 29 de maio – e ainda não foi apreciado pela corte.
Na ocasião, os ministros do supremo votaram unânimes junto com o relatório, que foi contra a alegação de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional da Agropecuária (CNA).
O Sindag figura no processo como amicus curiae – terceiro interessado, cujo conhecimento ou relação com o debate pode contribuir com a discussão. A própria Confederação Nacional da Agropecuária (CNA, que é autora do processo contra a proibição) também apresentou embargos apontando inconsistências no relatório que definiu os rumos do processo.
Assim como o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), que abrange os pilotos e bateu principalmente na tecla de que a lei cearense, ao proibir integralmente a aviação agrícola, foi contra o princípio constitucional do direito social ao trabalho. Já a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas, também amicus curiae no processo) destacou que não foi intimada da sessão de julgamento. O que lhe impediu de solicitar sustentação oral de seus argumentos durante o julgamento.
Confira as principais inconsistências apontadas pelo Sindag no relatório que definiu o processo:
ATUALIZAÇÃO IMPORTANTE: as próprias pesquisas da Embrapa seguidamente citadas para embasar o risco da aviação agrícola na verdade NÃO ATESTAM RISCO DA FERRAMENTA AÉREA. Conforme declara seu autor em uma entrevista reveladora ao portal do Sindag.
A pulverização aérea de agrotóxicos é proibida na União Europeia
Na verdade, a União Europeia editou em 2009 a Diretiva 128, de 21 de outubro daquele ano, estabelecendo a proibição da pulverização de agrotóxicos e restrições a sua utilização em determinadas áreas.
No Capítulo IV, da citada Diretiva , É PERMITIDA A PULVERIZAÇÃO AÉREA DE PESTICIDAS, desde que sejam satisfeitas as seguintes condições:
- a) Não devem existir alternativas viáveis, ou devem existir vantagens claras em termos de menores efeitos na saúde humana e no ambiente, em comparação com a aplicação de pesticidas por via terrestre;
- b) Os pesticidas utilizados devem ser explicitamente aprovados para pulverização aérea pelos Estados-Membros após avaliação de risco específica relativa à pulverização aérea;
- c) Os aplicadores que efetuem pulverizações aéreas devem ser titulares do certificado específico para esta atividade
- d) As empresas responsáveis pela pulverização aérea devem ser certificadas por uma autoridade competente para autorizar equipamentos e aeronaves para a aplicação aérea de pesticidas;
- e) Se a área a pulverizar se situar nas proximidades de áreas abertas ao público, devem ser incluídas na aprovação medidas específicas de gestão do risco, a fim de garantir que não haja efeitos nocivos para a saúde dos transeuntes. A área a pulverizar não deve situar-se nas proximidades de áreas residenciais;
- f) A partir de 2013, as aeronaves devem estar equipadas com os acessórios que constituam a melhor tecnologia disponível para reduzir a dispersão dos produtos pulverizados.
Ou seja, na prática, a União Europeia segue critérios semelhantes para o uso da ferramenta no Brasil. A diferença passa a ser do ponto de vista econômico: lá, além das propriedades serem menores (facilmente atendidas por equipamentos terrestres ou costais), eles têm o fator inverno, que ajuda a combater pragas, ao mesmo tempo em que limita a produção.
Para completar, na Espanha, por exemplo, a aviação é utilizada na aplicação aérea de produtos para combater mosquitos, especialmente me cidades do Mediterrâneo, para evitar que os insetos afugentem os turistas.
Além disso, tanto Espanha quanto a França estão autorizando testes para o uso de drones nas aplicações áreas, o que se enquadra bem no tamanho das propriedades rurais do Velho Continente (bem menores do que no Brasil). E com um aspecto importante no caso da França: a proposta da chamada Lei do Choque de Competitividade visa, entre outras coisas, diminuir a dependência do país de produtos de fora e incrementar o setor primário, que hoje representa apenas 1,6% de seu Produto Interno Bruto (PIB) do País.
Ainda no quesito drones, em dezembro de 2022 a Autoridade de Aviação Civil do Reino Unido concedeu a primeira permissão para drones de pulverização aérea no bloco formado pela Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales) e Irlanda do Norte. Ao passo que, em maio de 2023, o Brasil foi convidado a participar, na Inglaterra, da conferência da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre drones agrícolas. O Brasil foi representado pela chefe da Divisão de Aviação Agrícola (DAA) do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). O Ministério brasileiro, aliás, já havia apresentado na OCDE, em 2022, a Portaria nº 298/2021, que regulamentou em nosso País o uso de ferramentas remotamente pilotadas no trato de lavouras. O que colocou o case brasileiro destaque no cenário internacional.
Estudos da Embrapa comprovariam que cerca de 70% dos produtos aplicados por avião se perderiam no solo e no ar
Neste ponto, o relatório no STF é baseado em uma tese de doutorado de 2013, da advogada Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira, por sua vez citando artigo de 2004 do pesquisador Aldemir Chaim, da Embrapa. Só que Chaim, no artigo de 2004, fez referência a uma série de pesquisas publicadas por ele em 1999 (há quase 25 anos).
Três delas com equipamentos terrestres…
Um dos estudos foi para avaliar um método para determinar perdas em aplicações com equipamento terrestre em cultura de tomate. Neste caso, com um traçador adicionado à calda aplicada para facilitar análise espectrofotométrica.
Outra pesquisa, em lavoura de tomate estaqueado, teve como objetivo avaliar a deposição de agrotóxico nas plantação e quanto do produto se depositava nas vestes (no caso, no EPI) do aplicador manual. Onde os experimentos foram realizados tanto com equipamento costal quanto com pulverizador estacionário com lança (também operada pelo aplicador a pé).
Já o terceiro estudo com equipamento terrestre avaliou as perdas em aplicações feitas em lavouras de tomate e feijão.
Em todos os casos acima, com o devido monitoramento das condições meteorológicas no momento de cada aplicação (fator primordial para se avaliar a segurança de cada ferramenta. O que abrangeu a coleta de dados do microclima local a cada 10 minutos, a partir de 30 minuto antes de cada aplicação e até 30 minutos depois do ensaio. E todos eles apontando perdas consideráveis de produto (que chegaram à casa dos 80%) terrestres.
… e uma pesquisa sobre pulverizações aéreas
Sobre aviação agrícola, no estudo de 1999 sobre pulverização aérea, Chaim e a doutora em Matemática Aplicada Maria Conceição Peres Young Pessoa avaliaram a eficiência do algoritmo de um programa computacional criado para analisar a deposição de gotas (quantidade e tamanhos) em papéis hidrossensíveis – que normalmente são colocados dentro da lavoura para se atestar a eficácia de uma aplicação.
Programa esse que poderia ser rodado em computadores de baixo custo, representando um ganho enorme para os aplicadores aéreos e produtores rurais. Já que, pelo método tradicional, a leitura era feita a partir de um gratículo acoplado a um microscópio para se visualizar a distribuição acumulada e tamanho das gotas em cada papel.
No ensaio de campo, foram colocadas 99 placas com cartões hidrossensíveis em uma lavoura de arroz no município gaúcho de Pelotas. Das quais 90 placas dentro de uma área-alvo de 30 hectares e os marcadores restantes em uma área sujeita a deriva – em distâncias de 10, 50 e 100 metros do alvo principal.
O estudo comprovou a eficiência da ferramenta digital, que reduziu em 99,65% o tempo para avaliar a qualidade da aplicação. Ou seja, de três dias (com oito horas de trabalho cada) para cinco minutos.
IMPORTANTE: como o foco desta pesquisa foi verificar a agilidade do algoritmo eletrônico e se a leitura digital batia com a avaliação analógica dos marcadores, o estudo não considerou se a aplicação foi ou não realizada dentro das condições meteorológicas adequadas (que não foram avaliadas no ensaio). Assim, os parâmetros de perda de produtos mencionados no estudo tiveram como único foco a busca de similaridade entre olhar analógico e digital e não determinar se a aplicação em si foi ou não eficiente.
Por outro lado, 2019 a própria a Embrapa divulgou NOTA TÉCNICA destacando a segurança da aviação agrícola no trato de lavouras e reforçando a necessidade de um debate livre de preconceitos para se estabelecer no País uma política de segurança alimentar e energética. Esta nota foi consequência de uma pesquisa de quatro anos sobre a segurança da tecnologia aeroagrícola, realizada através de um convênio entre a Embrapa e o Sindag. O que resultou em estudos ocorridos lavouras no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do País, com a participação de seis centros de pesquisa da Embrapa e 10 Universidades parceiras.
Houve uma queixa do Equador contra a Colômbia no Tribunal Internacional, por conta de uma deriva de glifosato aplicado em solo colombiano e cuja nuvem de produto foi parar no país vizinho
Essa disputa também está mencionada no trabalho de 2013, da então doutoranda Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira. Só que trata-se de fatos não tinham a ver com aviação agrícola.
A queixa realmente ocorreu, mas a pulverização contestada pelo Equador foi uma operação militar da Força Aérea Colombiana contra plantações de coca de guerrilheiros das FARC (Forças Armas Revolucionárias da Colômbia) próximo à fronteira. Onde a aplicação foi feita em voo militar. Ou seja, em altura bem maior do que em um voo agrícola – em torno de 30 metros do solo, já que o piloto está preocupado em não ser atingido por tiros (quando o voo agrícola normalmente é entre três e quatro metros de altura).
Para completar, havia uma discussão anterior entre os dois países, já que a Colômbia acusava o Equador de estar dando abrigo aos guerrilheiros e o Equador, por sua vez, reclamava que o Exército Colombiano também atravessava a fronteira atrás dos guerrilheiros.
O caso da acusação de deriva não foi adiante porque o Equador acabou retirando a queixa.
Em 2004, o Tribunal Centro-Americano de Água recomendou que a indústria bananeira na Província de Limón, localizada na Costa Rica, suspendesse, no longo prazo, a pulverização aérea de agrotóxicos
Também da tese de Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira, essa citação faz referência a um link que não existe mais. Assim como o próprio Tribunal Centro-Americano da Água foi extinto – substituído pelo Tribunal Latino-Americano das Águas, que foi instalado pela primeira vez em 2007, na Guatemala e tem funcionado principalmente na Universidade Jesuíta de Guadalajara, no México. O que impossibilita a verificação da veracidade do artigo. Na prática, o STF tomou como base um suposto conflito estrangeiro que teria sido julgado por um órgão que não tem base de dados para checagem. Ao mesmo tempo, não só a Costa Rica continua tendo aviação agrícola como em 2022 a autoridade aeronáutica local autorizou voos da maior aeronave não tripulada já desenvolvida para a atividade aeroagrícola (que opera inclusive em voos noturnos).
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que os agrotóxicos causem anualmente 70 mil intoxicações agudas e crônicas que evoluem para óbito e um número muito maior de doenças agudas e crônicas não fatais
Também do trabalho de Maria Leonor Ferreira, que serviu de base para o relatório do STF, o texto não permite a checagem da fonte original, ao mesmo tempo em que menciona, em uma nota de rodapé, que seria um estudo de 2005, ou seja, 18 anos atrás. Mas sobre o qual é possível afirmar categoricamente que os dados mencionados não se relacionam à aviação agrícola, com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).
Por exemplo, o Censo Agro de 2006, que mostrou que, naquele ano, foram realizadas em todo o Brasil aplicações de agrotóxicos com pulverizadores costais em 973 mil propriedades rurais, contra aplicações com tratores em 379 mil propriedades, com pulverizador estacionário (onde entra o pivô central) em 74 mil propriedades e 10 mil propriedades tiveram aplicações aeroagrícolas – confira AQUI (página 539).
Já o Censo Agro de 2017 (o mais recente até agora) não esmiuçou tanto esses dados, mas também trazem uma contribuição importante sobre o tema: de acordo com a pesquisa, 15,6% dos produtores que utilizaram agrotóxicos no Brasil não sabiam ler e escrever e, destes, 89% declararam não ter recebido qualquer tipo de orientação técnica.
Dos produtores alfabetizados que utilizam agrotóxicos no País, 69,6% possuíam no máximo o ensino fundamental e, entre eles, apenas 30,6% declararam ter recebido orientação técnica a respeito da aplicação do produto.
Reforçando que os produtos aplicados pela aviação são aplicados também pelos meios terrestres e os mesmos riscos quanto à deriva. Porém, lembrando que no caso da aviação praticamente todos os envolvidos são no mínimo técnicos:
– Piloto que precisa ter licença de piloto comercial e 370 horas de voo para poder entrar em uma escola de pilotos agrícola (onde aprende a técnica do voo baixo, toxicologia e meio ambiente, como usar a tecnologia de aplicação embarcada e outras matérias.
– Engenheiro agrônomo com curso complementar específico coordenando cada operação e, na equipe de solo apoiando o avião, um técnico agrícola com especialização nesse tipo de operação.
E, quando o avião voa, ninguém está na lavoura.
Em 2012, a OCDE compilou dados de vários países que tinham normas restritivas ou proibitivas da pulverização aérea de agrotóxicos
Na verdade, esse trabalho integrou uma ação do órgão para promover o intercâmbio de informações sobre a aplicação aérea e desenvolver um código de melhores/boas práticas para essa atividade. Um trabalho iniciado em 2010 pelo Grupo de Trabalho de Agrotóxicos, que abrangeu seminários para avaliação de riscos, benefícios, aprimoramento de técnicas, colaboração internacional para pesquisas sobre o setor e outras ações. Até porque, entre os países membros da OCDE, alguns possuem uma aviação agrícola robusta e tradicional, como México, Israel, Estados Unidos (maior frota mundial do setor), Canadá, México, Israel e Austrália, além de outros.
O Dossiê ABRASCO: Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde – 2015 informa que 1/3 dos alimentos consumidos pelos brasileiros está contaminado por agrotóxicos
Este documento é citado erroneamente contra a aviação agrícola, já que a fonte que ele menciona justamente atesta a segurança da ferramenta aérea. No caso, a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – através de seu Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). Estudo que em seu histórico, desde 2007, tem apontado contaminações especialmente em produtos que não são atendidos pela aviação agrícola – como hortaliças, morango, uva e outros.
Tanto que o último relatório do PARA (divulgado em 2019 e com pesquisas feitas entre 2017 e 2018 com 12 mil amostras de alimentos em 27 Estados)mostrou que as lavouras atendidas pela aviação (arroz, milho, trigo e banana) aparecem com 0% de contaminação. Lembrando que o maior exemplo de sanidade ligada à aviação está no arroz – cultura onde a ferramenta aérea está presente desde os anos 1950 e que que hoje utiliza aviões em pelo menos 70% das lavouras no País.
Confira AQUI os relatórios
Proibição baseada em estudos com omissões e contradições
O relatório que definiu os votos dos ministros do STF derrubando a ação de inconstitucionalidade contra a proibição no Ceará tem ainda inconsistências no apontamento de estudos que comprovariam (quando na verdade não comprovam) casos de contaminação pela aviação agrícola na Chapada do Apodi. Citando Marinha, Carneira e Almeida em artigo de 2011 onde se lê que “o lançamento dos agrotóxicos por via aérea atinge comunidades fora das áreas de plantação e é responsável pelas frequentes queixas relacionadas aos incômodos de saúde logo após a aplicação, mesmo quando são seguidas as regras da aviação para esse fim”. Porém, sem apresentar estudos que pudessem comprovar essas alegações.
O mesmo valendo para o artigo da médica Raquel Rigotto, onde cita “apenas 32% dos agrotóxicos pulverizados permanecem nas plantas. O restante vai para o solo (49%) ou para áreas circunvizinhas através do ar (19%)”. Igualmente sem fonte ou estudo que embase a afirmação.
Além disso, que a acusação de que a aviação agrícola faz com que se perca boa parte dos produtos aplicados não resiste a um exercício simples de lógica mercantil:
Considerando o altíssimo custo dos produtos aplicados – que chegam a 20% das despesas totais com as lavouras, é óbvio que nenhum agricultor contrataria os serviços de um avião com uma perda dessas. Ou seja, o próprio mercado teria eliminado a ferramenta – não só no Brasil, mas nos Estados Unidos, em quase toda a América Latina, Canadá, Austrália e outros países em que ela se faz presente.
Contaminações aumentaram com a ausência da aviação
Para completar, a relação causa/consequência ao tentar vincular a aviação agrícola como a principal causa das intoxicações no cenário cearense fica claro no relatório do Programa Nacional de Vigilância de Populações Expostas a Contaminantes Químicos no Ceará – publicado em janeiro de 2023, demonstrando que os casos de contaminação no Estado haviam tido uma redução entre 2016 e 2018, quando a aviação ainda atuava no Estado.
Ao passo que o volume de contaminações teve uma alta em 2019, justamente quando a lei de proibição da aviação agrícola entrou.
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