COVID-19 – DOENÇA OCUPACIONAL?

COVID-19 – DOENÇA OCUPACIONAL?

Os efeitos da suspensão da eficácia do artigo 29 da Medida Provisória nº 927/2020 pelo Supremo Tribunal Federal

No dia 29/04/2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal afastou a eficácia dos artigos 29 e 31 da Medida Provisória 927/2020, que trouxe medidas trabalhistas para enfrentamento da calamidade pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrentes da pandemia do coronavírus.

Os artigos que tiveram sua eficácia suspensa tinham a seguinte redação:

art. 29 – os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação de nexo causal.

art. 31 – Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data da entrada em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades:

I – falta de registro de empregado, a partir de denúncias;

II – situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação;

III – ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; e

IV – trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.

Relativamente à suspensão da eficácia do artigo 31, os efeitos são simples: os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia estão autorizados a realizar fiscalizações e autuações, sem a limitação à ação orientadora que estabelecia a MP 927.

Já em relação ao artigo 29, a suspensão de sua eficácia tem levado a diferentes interpretações.

Há alguns juristas que entendem que a decisão proferida no dia 29/04 equiparou a infecção por COVID-19 a doença ocupacional. Não partilhamos, entretanto, de tal entendimento, pelas razões a seguir expostas.

Inicialmente, importante ressaltar que, com a suspensão da eficácia do referido artigo, voltamos à legislação existente sobre a matéria.

Neste sentido, o parágrafo 1º do artigo 20 da Lei nº 8.213/91 estabelece que:

“§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

  1. a) a doença degenerativa;
  2. b) a inerente a grupo etário;
  3. c) a que não produza incapacidade laborativa;
  4. d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.”

O parágrafo segundo do mesmo artigo prevê que:

“§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Já o artigo 21-A do mesmo diploma legal prevê que será considerada caracterizada a natureza acidentária da doença quando for constatada a existência de nexo técnico epidemiológico entre trabalho e doença.

Relativamente ao disposto na Lei nº 8.213/91, deve-se esclarecer que o nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP) é o cruzamento entre o código da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) da empresa e as doenças ocupacionais que mais acometem os trabalhadores daquela empresa/atividade.

O NTEP ajuda na verificação de existência de relação entre a doença apresentada pelo trabalhador e o trabalho por ele desenvolvido na empresa, permitindo que o nexo causal, em alguma situações, seja presumido.

A presunção de relação entre doença e trabalho é relativa, admitindo prova em contrário, sendo o ônus da prova da empresa.

Com a suspensão da eficácia do artigo 29 da Medida Provisória nº 927/2020, temos que a legislação aplicável é, justamente, a Lei nº 8.213/91.

Dessa forma, podemos concluir que é equivocada a afirmação de que o STF considerou a COVID-19 como doença ocupacional.

O regramento existente determina que doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva não é acidente de trabalho e, para ser reconhecida como tal, o empregado deve comprovar o nexo causal,  MAS (1), em caso excepcional, constatando-se que a doença resultou de condições em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente OU (2) constatando-se a existência do nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP), o nexo causal entre doença e trabalho será presumido, sendo esta presunção RELATIVA, ou seja, admitindo prova em contrário.

Com efeito, de acordo legislação atual, a tendência que se verifica é que, para os trabalhadores em empresas que prestem serviços essenciais, mormente aqueles da área da saúde, seja aplicada a presunção de existência de nexo causal entre a COVID-19 e o trabalho, mas o STF nada mais fez do que suspender a eficácia de dispositivo que impedia tal presunção (artigo 29).

Ademais, como anteriormente informado, a presunção é relativa e admite que as empresas façam provas de que tomaram todas as medidas preventivas cabíveis, como orientação, disponibilização de materiais higiene e máscaras, higienização freqüente do ambiente de trabalho, entre outras especificadas pelos órgãos competentes e serviços de medicina do trabalho das empresas.

Por tais motivos, ainda mais importante adoção, pelas empresas, de medidas de prevenção, com o atendimento de todas as orientações do Ministério da Saúde e órgãos de saúde locais, do Ministério da Economia e Ministério Público do Trabalho, além da documentação de tais medidas, o que servirá como prova para descaracterizar eventual nexo causal que venha a ser reconhecido entre a COVID-19 e o trabalho desempenhado pelo empregado.

Mariana Goes
OAB/RS 60.851
AdvogadaTrabalhista