TIRE SEU SORRISO DO CAMINHO QUE 2022 QUER PASSAR

Pedindo licença poética a Nelson do Cavaquinho pelo título deste artigo, peço ajuda a outro sambista de quilate. Já dizia Paulinho da Viola, “faça como o velho marinheiro que, no meio do nevoeiro, leva o barco devagar”… nada mais verdadeiro quando falamos das perspectivas econômicas para 2022.

 

Janeiro encerra trazendo surpresas, como o avanço da variante Ômicron e o retrocesso da distensão para retomada plena da atividade econômica e do convívio social; os exercícios militares da Rússia na fronteira com a Ucrânia (e seus impactos sobre o preço corrente e futuro de energia no mercado internacional) e as chuvas torrenciais no sudeste brasileiro trazendo prejuízos e mortes – ao mesmo tempo enchendo reservatórios e afastando risco de racionamento de energia.

 

Fevereiro começou dizendo ao que veio, com o Banco Central do Brasil avançando na contração monetária, elevando a taxa de juros para 10,75% na tentativa de convergir as expectativas e a inflação futura para dentro da meta. Aliás, essa é uma preocupação recorrente: quando a inflação retornará a patamares toleráveis. Com certeza não será em 2022. É um fenômeno mundial que é fruto de dois movimentos. O primeiro é a retração da oferta, pois a produção ainda não foi normalizada no mundo – a pandemia continua e o ritmo não foi regularizado, principalmente no setor de serviços. O segundo é a expansão da demanda impulsionada pelas medidas de estímulo adotadas em muitos países em 2020 e 2021. A expansão dos gastos públicos e a enorme emissão de moeda trazem custos. O resultado é a elevação do preço de uma série de insumos (como o petróleo) ou bens de consumo. O problema é que o Brasil tem um histórico inflacionário que não nos permite qualquer leniência.

 

Esse contexto inflacionário mundial aponta para possível elevação das taxas de juros por parte do Banco Central dos EUA (Federal Reserve ou simplesmente “Fed”). Há um relativo consenso entre analistas que o Fed tarda em tomar medidas que revertam a aceleração inflacionária nos EUA. A inflação nos Estados Unidos já alcançou 7% ao ano em 2021, o maior nível em 40 anos. Tudo indica que, em algum momento de 2022, o Fed começará uma política de contração monetária e elevação da taxa de juros. Isto terá implicações profundas, pois os títulos da dívida pública americana são considerados ativos de risco zero no mundo. A elevação dos juros resultará em um fluxo de capital de curto prazo rumo aos EUA, saindo de países mais arriscados, como o Brasil – e isso pode pressionar nossa taxa de câmbio. Não se sabe ainda qual efeito predominará: atração de capitais pela elevação das taxas de juros internas – causando apreciação cambial – ou saída de capitais pela eventual elevação da taxa de juros dos EUA – implicando depreciação cambial.

 

Em acréscimo, este é um ano de eleições majoritárias no Brasil e de muitas incertezas e ruídos. A cotação do dólar e das demais moedas estrangeiras permanecerá volátil, assim como a movimentação das bolsas. A elevação da taxa de juros pode atrair capitais especulativos e conter a depreciação cambial, mas a volatilidade não poderá ser evitada – exigiria estabilidade política e econômica – algo distante do cenário de curto prazo.

 

As finanças públicas seguem ainda precárias. Ao fim e ao cabo o pior não aconteceu no final de 2021, pois déficit e dívida ficaram sob controle. Entretanto, os níveis do déficit primário e da dívida bruta total são muito elevados. A teoria do ciclo eleitoral do gasto público, desenvolvida no âmbito da escola de pensamento da Escolha Pública, não traz conclusões animadoras. A despesa pública tende a crescer em anos próximos ao pleito, afirmam seus autores.

 

Nesse contexto, o recálculo das projeções de crescimento do PIB brasileiro para este ano faz muito sentido. Nem recessão nem ascensão – tudo indica que ficaremos estagnados e seguiremos rumo a quase doze anos “andando de lado”. Obviamente que a população mais pobre, principalmente dos grandes centros urbanos, é a que se ressente mais desse quadro. Isso acaba por retardar ainda mais a recuperação do emprego e a perpetuação de níveis elevados de pobreza e da ampliação de situações de fome. Do mesmo modo, os próprios postos de trabalho gerados nesse período são de qualidade inferior: ou são “carteira assinada” com menor remuneração ou são informais.

 

Essa descrição, todavia, não é homogênea em todo país. O interior, especialmente as regiões cuja principal atividade é o agronegócio ou a mineração, vivenciam outra dinâmica. O agronegócio tem tido ótimas performances nos últimos anos e os preços das commodities (com soja e ferro) são favoráveis ao Brasil. O mercado mundial é altamente demandante de alimentos e minérios e a nova tentativa do governo chinês de estimular o crescimento interno indica que nosso maior cliente continuará precisando dos produtos brasileiros. O que pode frear um pouco o agronegócio é o clima, que pelo excesso de calor no Sul do Brasil ou pelo excesso de chuvas no Sudeste, tem prejudicado várias culturas.

 

Se a macroeconomia não é alentadora, a microeconomia pode trazer surpresas. Nos últimos anos, um conjunto de reformas pró-liberdade econômica foi desenvolvido. Destacamos algumas medidas. Os novos marcos legais do saneamento e da ferrovia abrem espaço para maiores investimentos privados nos setores. A declaração de liberdade econômica e a lei do ambiente de negócios têm o potencial de facilitar o empreendedorismo ao reduzirem custos de transação e garantirem o funcionamento “regular” do mercado. Há ainda no Congresso, o projeto de lei do novo marco de garantias, que pode resultar na ampliação do crédito para micro e pequenas empresas. Há também a medida provisória que moderniza os cartórios (Sistema Eletrônico de Registros Públicos).

 

As tão prometidas (e esperadas) concessões e privatizações podem, enfim, deslanchar neste ano – mas há dúvidas quanto à capacidade de entregá-las em período eleitoral.

 

A grande pergunta, porém, é se essas medidas serão capazes de produzir efeitos significativos ainda em 2022. Os investidores estão cautelosos com o país, pois como afirmamos anteriormente, este é um ano cheio de incertezas. Muito do que mencionamos precisa de tempo para que seus efeitos sejam colocados em prática.

 

Portanto, se “tomar cuidado e canja de galinha não fazem mal a ninguém”, o mesmo vale para a economia brasileira. 2022 não será a catástrofe que vários analistas apregoavam no final de 2021, nem será o “céu de brigadeiro” anunciado pela equipe econômica.

 

[1] Coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica e professor do Programa de Pós-graduação em Economia e Mercados da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Vladimir Fernandes Maciel[1]