21 de março de 2024

Aplicações aéreas no combate ao Aedes aegypti: Fatos e mitos sobre uma estratégia urgente

O ano nem fechou seu primeiro trimestre e o Brasil já registrou em 2024 (verificação em 21 de março) quase 2 milhões de casos prováveis de dengue no País – ou exatas 1.978.372 pessoas doentes. Entre estas, já são 656 óbitos pela doença confirmados e outras 1.025 mortes ainda sob investigação. Na prática, a possibilidade de que, em apenas 80 dias, tenhamos chegado a mais de 1,6 mil fatalidades por dengue na conta do mosquito Aedes aegypti – conforme dados do Ministério da Saúde.

Tudo isso recém na semana 12 do calendário do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)  do Ministério da Saúde (que tem mais 40 semanas até o final do ano).

Tendo por trás uma taxa de crescimento que, desde o final de janeiro, não baixa de 100 mil novos casos semanais (com um pico de 280,6 mil novos doentes na semana entre 18 e 24 de fevereiro). Que inclusive já bateu o recorde histórico de 2015 – quando foram notificados 1.649.008 de casos de dengue no País, em todo aquele ano – segundo o relatório Saúde Brasil 2015/2016 do Ministério da Saúde (página 260).

Aliás, pelos dados atuais, o País provavelmente já superou com folga também o recorde de 1.079 mortes pela doença, registrado no ano passado. Isso porque apenas 41% de confirmações entre as mais de 1 mil fatalidades ainda “sob investigação” neste início de 2024 já seriam suficientes para esta triste marca.

Todos estes índices ainda estão sujeitos a ir para a estratosfera, já que o próprio Ministério da Saúde admitiu, ainda em janeiro, que o Brasil pode registrar até 4,2 milhões de casos de dengue este ano.

O peso trágico do preconceito

Em todas as suas facetas, a matemática sombria da dengue no Brasil escancara as consequências do preconceito contra a aviação em nosso País. Apesar das ferramentas aéreas (aviões, helicópteros e, mais recentemente, drones) contarem desde os anos 1960 com prerrogativa legal para combate a mosquitos no Brasil. Tendo sido previstas inclusive na Lei Federal 13.301/2016   que dispõe sobre a adoção de medidas de vigilância em saúde contra arboviroses no País (artigo 1º, § 3º, Inciso IV).

Tudo paralelo ao fato de que há décadas aviões e helicópteros integram o rol de ferramentas usadas massivamente contra mosquitos em outros países. Mais recentemente, aliados também ao empregos de drones em aplicações pontuais.

A exemplo dos Estados Unidos, onde a técnica foi testada pela primeira vez em 1926. E onde, desde os anos 1940, a aviação integra as estratégias governamentais contra doenças. Tudo coordenado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs, na sigla em inglês, em muitos aspectos equivalentes à Anvisa no Brasil). Executado pelos Distritos de Controle de Mosquitos espalhados em quase todo o País. Lembrando ainda que a própria Força Aérea dos Estados Unidos tem uma unidade especializada no combate a mosquitos. Empregando aviões Hércules C-130, ela é acionada, por exemplo, em caso de furações, com a missão de aplicar larvicidas em áreas úmidas, para evitar ao nascimento dos mosquitos.

Detalhe: as autoridades sanitárias estadunidenses lançam mão das aplicações aérea já na fase de prevenção. Nunca deixando a situação chegar a uma epidemia. Inclusive com aplicações preventivas mensais em algumas regiões.

Isso valendo para diversos outros países. Como México, Argentina e até na Europa e Oriente Médio. Em todos os lugares, aplicando a partir do alto os mesmos produtos inseticidas usados nos fumacês terrestres, além de larvicidas biológicos.

Lá fora, com todos os equipamentos colocados em cena imediatamente. Sempre que confirmadas situações em que o controle de mosquitos pela eliminação de pontos de água parada e as aplicações terrestres contra focos pontuais não estiverem surtindo efeito necessário. Ou quando houver ao menos o risco disso ocorrer – por exemplo, em áreas com problemas de saneamento básico, durante épocas quentes em regiões úmidas. Ou ainda em ações de Defesa Civil: após desastres naturais, como cheias, tempestades severas e furações.

E aí vem outro contraponto irônico: enquanto em nosso País a atividade aeroagrícola é historicamente relegada a estereótipos, internacionalmente o Brasil já se tornou um respeitado desenvolvedor e fornecedor de tecnologias embarcadas em aviões para combate a vetores. Caso da Zanoni Equipamentos, no Paraná, que desenvolveu e vende para os Estados Unidos equipamentos usados nas aplicações contra mosquitos .

SUCESSO BRASILEIRO

O Brasil tem um caso em que a aviação foi empregada em ações de saúde no combate a mosquitos. Justamente comprovando a eficácia da ferramenta.

Foi em 1975, quando dois aviões agrícolas (um deles fornecido pela Embraer e o outro pelo Ministério da Agricultura) ajudaram a salvar milhares de vidas na Baixada Santista. Aplicando pelo alto o inseticida dos fumacês, em apoio a aplicações terrestres que cobriram os Municípios de Itanhaém, Peruíbe e Mongaguá.

Na época, para enfrentar um surto de encefalite causado por mosquito e que já tinha resultado em mortes na região. O operação foi da Superintendência de Controle de Endemias de São Paulo (Sucen), que documentou o sucesso da iniciativa – inclusive comprovando que não houve danos colaterais pelo uso dos aviões.

Porém,  apesar do êxito e por motivos nunca esclarecidos, a técnica seguiu ignorada nos gabinetes em Brasília. Mesmo com a insistência do Sindag (a partir de 2004) para que se fizessem pesquisas completas para comprovar sua segurança. Tudo sob orientação e controle dos Ministério da Saúde e Meio Ambiente e visando inclusive a se estabelecer um protocolo nacional sobre quando e como empregar a técnica. Tanto do ponto de vista técnico, quanto para se estabelecer uma política local sobre o tema.

O assunto chegou a ser discutido dentro do Senado brasileiro em 2016, em uma audiência pública presidida pela senadora Ana Amélia e com a participação do então senador Ronaldo Caiado (que é médico e hoje governa o Estado de Goiás). O encontro na ocasião teve a participação desde técnicos do Ministério da Saúde até profissionais que integraram a operação de 1975, no litoral santista.

No mesmo ano, o Sindag publicou a Cartilha Aviões x Mosquitos – Como podemos ajudar, explicando o histórico, tecnologia e aspectos operacionais em torno do tema. Justamente buscando esclarecer (e desmistificar) o assunto junto a autoridades e população.

No entanto, paralelo a isso, quando a tecnologia aérea foi incluída na Lei Federal  13.301/16, teve início outra maratona contra o preconceito:

O assunto foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), com a Procuradoria Geral da República (provocada pelas entidades contra a aviação) entrando com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra a norma. O processo se arrastou até 5 de abril de 2019, quando o STF respaldou o uso da ferramenta aérea. Os juízes superiores ressaltaram apenas a necessidade permissão das autoridades de Saúde e Meio Ambiente e realização de pesquisa para um protocolo de operação (justamente o que o Sindag sempre defendeu).

Com  fala do então presidente da Suprema Corte, ministro Dias Toffoli, dando o tom da urgência do cenário, ao proferir seu voto a favor da ferramenta aérea: “O Ministério da Saúde informou hoje, dia 11 de setembro (2019), que do dia 30 de dezembro (2018) a 24 de agosto (2019) foram registrados 1.439.471 casos de dengue em todo o País.” E frisou: “Permitam-me repetir: UM MILHÃO, QUATROCENTOS E TRINTA E NOVE MIL E QUATROCENTOS E SETENTA E UM CASOS DE DENGUE” .

O caso deve extensa cobertura na Edição nº 5 da revista Aviação Agrícola,  com 24 páginas (da 16 à 39) abrangendo desde a decisão do STF até a história e cenário do uso da ferramenta no Brasil no mundo. Com a fala de especialistas daqui e uma entrevista esclarecedora com uma das maiores autoridades mundiais sobre o tema. No caso, o inglês Mark Latham – que fez estudos no Brasil e nas Ilhas Cayman e, desde 1985 coordena operações com uso de aeronaves contra vetores nos Estados Unidos.

Latham, aliás, quase veio para o Congresso da Aviação Agrícola do Brasil em julho, em Sertãozinho/SP – o que acabou não ocorrendo por problemas de última hora em sua agenda.

No entanto, apesar do bom exemplo do passado, do uso constante das ferramentas aéreas em outros países e do fato da tecnologia aeroagrícola contra mosquitos ter reconhecimento internacional, seu uso segue relegado a um perigoso descaso no Brasil. Perigoso, incoerente e antieconômico, já que os produtos contra vetores seguem sendo usados pelo Ministério da Saúde apenas no curto alcance das ferramentas terrestres – que não chegam a áreas fora das vias urbanas e sequer nos fundos de terrenos fechados.

Provocando o chamada “efeito lava-fachada” – com as aplicações se repetindo sem o alcance necessário e, consequentemente, necessitando maior quantidade de inseticidas e larvicidas. Estratégia para as qual, só no primeiro mês deste ano este ano o Ministério da Saúde distribuiu cerca de 100 mil litros de adulticidas para aplicar via fumacês terrestres. Além de quase 20 toneladas de larvicidas biológicos e 3,37 toneladas de larvicidas químicos. O que é mostrado na tabela da página 7 da Edição 1 do Informe Semanal do Centro de Informações Sobre Emergências (COE) do Ministério da Saúde.

Diante do compasso de espera por uma política nacional mais abrangente, lá na ponta do problema Prefeituras passaram a tomar uma atitude urgente: mesmo sem um protocolo sanitário e de Saúde nacionais para aplicações aéreas, começaram a lançar mão do uso de drones. Com testes e validação da ferramenta a cargo das próprias secretarias Municipais de Saúde e de Meio Ambiente.  Aproveitando as prerrogativas legais desses órgãos e seus técnicos e com a característica da ferramenta remota conseguir abranger rapidamente comunidades menores pequenas. Ou mesmo aliviar situais pontuais de infestações no caso de epidemias em centros metropolitanos maiores – onde os mosquitos não pedem passaporte para cruzar fronteiras municipais.

A ideia passou a ser testada este ano, por exemplo, no Município gaúcho de Santo Ângelo e na própria capital paulista. Além de, ainda em São Paulo, haver ações isoladas há mais tempo também em Botucatu e em  Sertãozinho. O que expõe a urgência de que a construção de uma política nacional e consistente sobre o tema deixe de uma vez por todas as gavetas de gabinetes em Brasília. E venha, enfim, para o mundo real.

10 PERGUNTAS E RESPOSTAS
SOBRE AVIAÇÃO X MOSQUITOS

 1 – Os aviões e drones vão pulverizar agrotóxicos sobre as cidades

É MITO. Os agrotóxicos, defensivos, fitossanitários ou qualquer nome que se dê aos produtos usados na lavoura, são para o combate a pragas específicas de cada cultura. Onde também são aplicados tanto por equipamentos terrestre quanto aéreos.

No caso do combate ao mosquito, as aeronaves (tripuladas ou remotas) usariam os mesmos produtos hoje aplicados por terra nos chamados fumacês e que são específicos para uso urbano e no meio de pessoas. Produtos, aliás, aprovados e indicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para esse tipo de operação. Além disso, dependendo da situação (também a ser avaliada em testes), pode-se ainda usar um larvicidas biológicos.

2 – As aeronaves aplicam produtos cancerígenos

OUTRO MITO. Reforçando: em uma aplicação aérea, os aviões usam os mesmos produtos usados pelas equipes em terra, fornecidos pelas autoridades sanitárias e aprovados pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os operadores não escolhem o produto – isso fica a cargo das autoridades de Saúde.

3 – A aplicação aérea vai intoxicar pessoas e animais

NÃO. A diferença com o uso do avião é que o produto vai chegar a pontos hoje inatingíveis pelas equipes em terra, como fundos de terrenos baldios, áreas abandonados e pontos longe das vias públicas. Repetindo: o produto que chegará a esses locais é o mesmo que hoje é usado em caminhonetes, motos e mesmo por aplicadores a pé, nos fumacês aplicados nas ruas e terrenos. Aplicações terrestres, aliás,  que são feitas mesmo com as pessoas caminhando nas calçadas e direcionado a pulverização diretamente à fachada das casas (inclusive com a autoridades orientando os moradores para que abram as janelas e portas). O que comprova segurança dos produtos, em operações que chegam a ser solicitadas pelos próprios moradores.

Aliás, a expectativa é de que, com a aplicação aérea eliminando também os focos de mosquito até então inatingíveis, diminuiriam drasticamente também as chances de reinfestações. Por sua vez, diminuindo também a necessidade de reaplicações.

4 – O uso do avião vai tornar os mosquitos mais resistentes, à medida que elimina apenas os insetos mais fracos e deixa os mais fortes se reproduzirem e “aperfeiçoarem” sua linhagem

PELO CONTRÁRIO: Justamente o uso do avião é que diminui o risco disso acontecer. Como sua aplicação é mais abrangente e eficaz, há menos chances de sobrarem mosquitos para esse “aperfeiçoamento” da espécie. Diferente de se fazer a aplicação apenas por terra, pelo problema de reinfestação já exposto na questão anterior.

5 – A melhor estratégia no combate à dengue, Chikungunya e zika é a prevenção, com a eliminação dos focos de água parada em cada casa, área pública e espaços comerciais, além do investimento em saneamento básico

É VERDADE. É ponto pacífico para o Sindag e para especialistas que a aplicação de inseticidas (seja por equipamentos terrestres ou aéreos) só deve ser considerada em áreas de epidemia. Funciona assim: quando se tem uma infestação muito grande de mosquitos, já além da capacidade de enfrentamento apenas com a eliminação dos focos, é feita a aplicação do fumacê terrestre ou aéreo (ou os dois combinados). Isso para eliminar as populações de mosquitos em excesso e daí trazer a situação novamente para o alcance das ações da população.

6 – Os produtos aplicados por aviões podem chegar a quilômetros do alvo

A chamada deriva (quando o produto aplicado se desloca da faixa de aplicação) é algo que pode acontecer tanto em aplicações aéreas quando nas terrestres (independe do tipo de equipamento em si). Para preveni-la, o aplicador tem que considerar fatores como a escolha e regulagem dos bicos de pulverização e as condições de temperatura, pressão atmosférica e velocidade do vento.

E aí também o avião e os drones levam vantagem: os dois tipos de equipamento contam com sistema DGPS (que é como o GPS de um carro, só que muito mais preciso e rápido e que indica exatamente cada faixa a ser aplicada, com seu início e fim) e outros sistemas de precisão. No caso do avião, ele cobre rapidamente áreas grandes. Conseguindo realizar toda a aplicação antes que as condições climáticas mudem. Podendo abranger até 500 quarteirões em uma hora, aplicando uma taxa de 400 mililitros (menos de meio litro) de produto por quadra (cerca de um hectare).

7 – Os aviões vão dar rasantes sobre as cidades

É MITO. Diferente de um voo de lavoura, onde o avião voa a três metros do chão, a operação contra mosquitos é feita a mais de 40 metros de altura. E a faixa do produto pulverizado (atrás do avião) é tão discreta que é quase invisível a olho nu.

 8 – A pulverização aérea seria feita de maneira indiscriminada sobre as cidades

DEFINITIVAMENTE, NÃO. O que o Sindag defende (isso desde 2004) é que o Ministério da Saúde autorize a realização e testes sobre esse tipo de aplicação. Mais do que isso, o sindicato aeroagrícola vem pedindo que o Ministério forme a equipe técnica, não só com especialistas em saúde pública, mas também como entomologistas (especialistas em insetos), biólogos, médicos e outros profissionais, para que atestada a segurança para as pessoas, animais e o meio ambiente.

A ideia é atualizar a técnica usada em 1975, na Baixada Santista, com o que é feito hoje em dia nos Estados Unidos, México e até aqui na vizinha Argentina (que há anos já usa aviões no combate a mosquitos). A partir daí se chegaria a um protocolo de quando e como usar a pulverização aérea contra mosquitos no Brasil. E só então se partiria para as operações nas áreas de epidemia.

9 – A aplicação aérea seria muito mais cara do que a terrestre

NÃO – A própria pesquisa também serviria para definir um comparativo preciso entre os valores das aplicações por terra e por aviões. A aposta do sindicato aeroagrícola é de vantagem do avião. Ainda mais se forem computados detalhes como a necessidade de menos compra e manutenção de caminhonetes e bombas costais pelo governo federal – no caso das aplicações aéreas, os operadores aéreos fornecem todo o equipamentos e pessoal das operações. Sem falar na diminuição da necessidade de inseticida (esse sim, fornecido pelo poder público), pelo melhor aproveitamento e redução das chances de retrabalho.

10 – Por que ainda não se está usando o avião contra mosquitos no Brasil?

Por pura falta de informação. O Brasil tem a segunda maior e uma das melhores aviações agrícolas do mundo. É o único meio de pulverização de produtos em lavouras que tem legislação própria e é o que tem a mais completa e bem treinada equipe técnica (com engenheiros agrônomos e técnicos especialistas no setor). Além disso, o Brasil é o único país onde a aviação agrícola possui um programa de certificação ambiental.

Só que a maior parte das pessoas não sabe disso e muitas ainda acham que as operações em lavouras e na cidade são a mesma coisa.

Por isso que o SINDAG insiste tanto nos testes com técnicos do Ministério da Saúde e com o próprio Ministério fornecendo todo o produto: para que fique tudo muito claro para todos e que a população tenha segurança na técnica dos aviões.

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