3 de maio de 2020

Cana: novos contratos aeroagrícolas precisam focar em parcerias estratégicas

Economista lembra que operadores devem também ter atenção à saúde financeira das usinas, já que a crise vai aprofundar a “seleção natural” no setor

Sobre os efeitos da pandemia do novo coronavírus cultura da cana-de-açúcar, o economista Haroldo José Torres da Silva alertou os operadores aeroagrícolas para três tendências a serem observadas daqui para frente. “Há usinas deverão entrar em falência ou recuperação judicial, outros grupos vão precisar cortar custos e reduzir investimentos, o que inclui menos aplicações aéreas. E há ainda os grupos em situação financeira mais confortável e que poderão manter os investimentos”. A declaração ocorreu na quarta-feira (29), durante a segunda videoconferência da série sobre as consequências da Covid-19 nas lavouras atendidas pela aviação agrícola. Promovida pelo Sindag e Ibravag, iniciativa tem palestras todas as quartas-feiras, para os associados das entidades.

Confira no final do texto o vídeo com a apresentação completa

Haroldo Silva interagiu com cerca de 40 empresários, técnicos e lideranças do setor. Em mais de uma hora de apresentação e respostas a perguntas dos participantes, o doutor em Economia e professor do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (Pecege) da Universidade de São Paulo (USP) destacou que o momento é de, na hora de discutir os contratos, focar em parcerias estratégicas. “Na saúde ou na doença. O que quer dizer não pensar apenas no preço do serviço, mas, por exemplo, também jogar o prazo de pagamento e tentar em um relacionamento mais duradouro.”

O economista alerta que a crise do coronavírus vai aprofundar o que ele chamou de seleção natural no setor sucroenergético. Na prática, o cenário vai agravar a situação de muitas usinas que já estavam com problemas nas contas. Entre elas, grupos que possuem dívidas em dólar e estão sofrendo também com o câmbio. “Como o etanol é o ativo de maior liquidez. Isso permitiu que muitas usinas fragilizadas continuassem sobrevivendo até antão. O maior medo nesse setor é o calote. Com a empresa entrando em recuperação judicial e ficando tudo congelado (para os fornecedores de serviços e insumos).”

Já o presidente do Sindag e vice do Ibravag, Thiago Magalhães Silva, ressaltou (durante os comentários dos participantes) que essa conjunção de fatores vai exigir também uma boa gestão das empresas aeroagrícolas. “O empresário precisa lembrar, por exemplo, que apesar do custo de combustível estar em baixa agora, provavelmente sofrerá elevação logo adiante. Além disso, é preciso otimizar os processos”, lembra. Ainda mais com a alta expressiva do dólar, que rege praticamente um terço do custo operacional da aviação agrícola.

PETRÓLEO, ETANOL E AÇÚCAR

Haroldo Silva abriu a videoconferência de quarta-feira explicando que o setor da cana-de-açúcar é segundo mais afetado no agro pela Covid-19. “O primeiro é a produção de flores e o terceiro é o algodão”. Conforme o economista, no caso da cana, a crise tem ainda um somatório de fatores. “Junto com o impacto do coronavírus (onde as medidas de contenção diminuíram a demanda por combustível), tivemos as consequências do embate entre Rússia e Arábia Saudita no mercado do petróleo”, lembrou o professor, referindo-se ao impasse que fez despencar o preço da commodity no mundo.

O que, por sua vez, levou o etanol a perder competitividade frente a uma gasolina mais barata (queda de 50% no preço desde janeiro, nas refinarias). Ou seja, ainda menos consumo do biocombustível no Brasil.  “Em janeiro deste ano, todas as previsões para a safra que começou agora aprontavam para um recorde de produção e boa rentabilidade. Veio a boa produtividade, só que sem boa rentabilidade”, resume. “Tivemos ainda a estilingada do câmbio. Depois de um 2019 com o dólar na média de R$ 4,10, no final do ano houve uma desvalorização pela taxa de juros baixa, que provocou uma fuga da investidores. E, a partir de março, ele acabou saindo da casa dos R$ 4,50 e passou os R$ 5,30.” A moeda americana chegou ao pico de R$ 5,65 no dia 27 de abril.

Uma conta que, lembra o economista, impacta diretamente nos insumos. A cada 10% no câmbio, insumos sobem 2%. “Mais de 70% dos fertilizantes são importados, por exemplo”. Ironicamente, o câmbio alto também deu o caminho para o alívio momentâneo: a produção e exportação de açúcar. Mas, na visão do especialista, um remédio que vale apenas para a atual safra.

Isso porque o Brasil está se beneficiando de uma quebra de produção (por problemas climáticos) de outros grandes exportadores de açúcar, como Índia e Tailândia. Além da provável retomada dessa concorrência em uma safra anterior, o açúcar é um produto que sofre restrições devido a campanhas para redução de seu consumo na alimentação. Sem falar que o próprio lockdown do coronavírus também diminuiu o consumo de doces. Somando-se ainda o fato de que o mercado internacional percebeu que o Brasil aumentaria a oferta, o que tirou parte do fôlego dos preços.

“O etanol carburante foi a perna que salvou ano passado e foi a que quebrou este ano. Por outro, lado há uma demanda aquecida no etanol para outros fins (hospitalar, limpeza e outros usos domésticos).”  Mas é um nicho pequeno para os 33 bilhões de litros produzidos no ano passado. Além disso, das 384 usinas existentes no País, 132 só têm maquinário para produzir etanol.

VALOR AGREGADO

O palestrante ressaltou que mercado de etanol precisa focar em uma comunicação para agregar ainda mais o aspecto ambiental como valor ao combustível. Por exemplo, pela valorização do Crédito de Descarbonização por Biocombustíveis (CBio), previstos no Renovabio. “O Renovabio foi criado para incentivar o ambientalmente amigável e garantir que houvesse uma previsibilidade do consumo de biocombustível.” O programa, por sua vez, resultou no CBio, que é um crédito de carbono negociável – um CBio equivale a uma tonelada de carbono deixada de ser emitida na atmosfera.

“Hoje o consumidor se baseia muito pelo preço e vai pela gasolina. Por isso é preciso lembrar as externalidades positivas do etanol. No dia 27 de abril teve operação do CBio na bolsa de valores. Duas usinas colocaram seus créditos no mercado, somando 59 mil CBios. Isso está chegando meio tardio, mas tem expectativa de amortecer, a partir de agora, as crises envolvendo o petróleo.”

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