25 de agosto de 2023

CHAIM: Pesquisas da Embrapa focaram em calibração de deposição

  1. Sindag foi a Jaguariúna/SP, para conversar com  o pesquisador sobre os trabalhos feitos entre 1999 e 2006 e que serviram para validar uma ferramenta de apoio aos operadores 

Em 2019, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) divulgou uma Nota Técnica destacando a segurança da aviação agrícola no trato de lavouras. O documento também reforçou a necessidade de um debate livre de preconceitos para se estabelecer no País uma política de segurança alimentar e energética.  A Nota destacou ainda os grandes avanços da tecnologia aeroagrícola desde os anos 90, lembrando que, desde os anos 60, trata-se da única ferramenta de aplicação com regulamentação específica, por isso mesmo a mais facilmente fiscalizável.

O documento, assinado pelo pesquisador Paulo Estêvão Cruvinel, teve as assinaturas também do diretor-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) e do professor Wellington Pereira Alencar de Carvalho, da Universidade Federal de Lavras (UFLa) e foi resultado do projeto Desenvolvimento da aplicação aérea de agrotóxicos como estratégia de controle de pragas agrícolas de interesse nacional – Redagro. Por sua vez, a maior pesquisa já realizada no Brasil sobre tecnologias aeroagrícolas, ocorrida entre 2013 e 2017 e envolveu seis centros de pesquisa da Embrapa, dez universidades parcerias e duas empresas de tecnologias. Foi, na verdade, a maior pesquisa já realizada no Brasil entre todas as tecnologias de aplicação (incluindo os meios terrestres) envolvendo lavouras no Sul, Centro-Oeste e Sudeste do País.

Porém, antes disso a Embrapa havia feito outras pesquisas envolvendo pulverizações aéreas, com o intuito de aprimorar a ferramenta e capacitar os operadores a tomarem a melhor decisão na hora de escolher e regular a tecnologia embarcada para as aplicações. Trabalho que teve a participação do pesquisador Aldemir Chaim, da Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna/SP. Em pesquisas que ocorreram entre 1999 e 2006 e que se tornaram uma das primeiras referências para o aprimoramento da aviação agrícola no Brasil. E que ajudaram na validação do projeto Gotas – Programa de Calibração de Pulverização. Um software que permite analisar amostras de deposição de gotas em cartões de papel sensível à água, utilizados como alvos para ajustes de equipamentos de pulverização agrícola.

Para saber mais sobre esse trabalho, o Sindag foi até o interior paulista, para conversar pessoalmente com Chaim. Em uma entrevista que você acompanha agora:

Quem é o pesquisador Chaim?

Aldemir Chaim, é formado em Jaboticabal, como engenheiro agrônomo (pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Unesp), fez mestrado também lá (sob orientação do professor doutor Tomomassa Matuo, para o Desenvolvimento de um protótipo de pulverizador eletrodinâmico, para o controle de trips no amendoim). Trabalhou desde o início com pulverização eletrostática. Meu primeiro trabalho foi com pulverização eletro hidrodinâmico, em que se aplicava um litro de calda por hectare, com uma eficiência altíssima.

Como o senhor veio para a Embrapa?

Eu fui convidado entre 1983 e 84 para montar um laboratório na Embrapa que pertencia ao então recém-criado Centro Nacional de Pesquisa em Defensivos Agrícolas. Eu estava em Jaboticabal, fazendo o mestrado, e o doutor Luiz Felipe Fontes (então pesquisador da Embrapa Solos), foi lá com o doutor Tomomassa, buscando um aluno que tivesse capacidade de montar um laboratório de tecnologia de aplicação. Daí eu comecei a vir a Campinas conversar com os engenheiros da Embrapa. Definindo como deveria ser o laboratório: as salas que deveria ter, os tipos de pesquisas que seriam feitas. Aí, eles exigiram que eu terminasse meu mestrado para poder ser contratado (como pesquisador).

Terminei o mestrado em julho de 1984 e, em setembro de 84, me contrataram para eu tomar conta do Laboratório de Tecnologia de Aplicação. Onde o objetivo principal desde o início foi melhorar a eficiência das aplicações. Através de ferramentas que ajudassem a melhorar as calibrações. Em segundo, desenvolver tecnologias ou equipamentos de pulverização que aumentassem a eficiência das deposições.

Na Embrapa, comecei com pulverização eletrostática. Mas por alterações na política da instituição – que passou a focar na avaliação de impacto ambiental, eu passei a me dedicar à parte de calibração. Para adaptar as pesquisas, ao invés de falar em aumento de deposição, eu comecei a falar em perda de pulverização, mas, ao mesmo tempo, mostrando que se poderia resolver o problema.

“…o objetivo principal desde o início
foi melhorar a eficiência das aplicações.
Através de ferramentas que
ajudassem a melhorar as calibrações”

 

Foi uma mudança de foco no trabalho para poder encaixar a pesquisa em novas diretrizes?

Houve mudança de missão. Ela saiu do defensivo agrícola para defesa da agricultura. O pessoal ficou voltado mais para o controle biológico. Eu ainda fiquei no defensivo. Depois passou para impacto ambiental. Aí eu precisei parar completamente com desenvolvimento dos pulverizadores. Só mais tarde é que consegui voltar às minhas pesquisas de pulverização eletrostática.

Teve um período que fiquei com a validação de impacto e aí eu comecei a fazer esses trabalhos de estudo de deposição, para mostrar que era necessário investir em pesquisa para desenvolvimento tecnologia, em treinamento. Dei muitos cursos, a Embrapa se dedicou a treinar aplicadores sobre calibração. E outra: a gente procurava treinar quem tomava a decisão. Nossa experiência mostra que é preciso treinar o os tomadores de decisão. Porque o pessoal de campo está trabalhando hoje aqui e depois arruma outro emprego e todo aquele treinamento vai embora junto. É preciso treinar quem toma a decisão. E esses sim repassar aos funcionários.

Isso para terrestre e aéreo…

Para tudo. Só que, por exemplo, (a estrutura do) meu laboratório nunca permitiu que eu trabalhasse com equipamento aéreo. Eu jamais teria uma pista de pouso aqui na Embrapa, Até porque já existia o Cenea (Centro Nacional de Engenharia Agrícola, que funcionava na Fazenda Ipanema, atual município de Iperó/SP), que era o responsável por treinamentos de pilotos e pesquisas sobre pulverização aérea. Então, como eu não entendo nada sobre essa tecnologia, eu nunca me preocupei com pulverização aérea. Eu sempre me preocupei mais com o equipamento terrestre.

Mas aí fui desistindo do pulverizador terrestre porque era muita coisa aqui para o laboratório, com uma estrutura pequena e uma pessoa trabalhando sozinha. Trabalhar com centenas de culturas, vários tipos de equipamentos e várias formas de aplicação. Aplicação manual, aplicação em cultura de porte rasteiro, aplicação em porte arbustivo, de porte arbóreo. Aí eu escolhi, mais para frente um pouco, trabalhar com agricultura familiar. Hoje, eu quase exclusivamente me dedico a trabalhar com desenvolvimento de tecnologia para a agricultura familiar. E, mais especificamente, eu me tornei especialista em pulverização eletrostática. E com resultados muito interessantes, com uso de até 90% menos ingrediente ativo para cultura de algumas pragas em estufas. No campo ainda não testamos porque é uma tarefa muito grande para quem trabalha sozinho.

A gente sabe que o senhor trabalhou um pouco com pulverização aérea e seguidamente é citado por isso. O que pode nos contar?

Na realidade, foram apenas 3 trabalhos com pulverização aérea, onde a Embrapa sempre procurou desenvolver uma ferramenta que ajudasse na calibração de deposição. Nós, por questões de custo, resolvermos usar um alvo que se chama cartão sensível à água. Esse cartão tem uma face amarela que é impregnada de azul de bromo fenol, que é amarelo, mas fixa azul com um pingo de líquido aquoso. O pessoal tem usado esses cartões para ver quantas gotas que caem por centímetro quadrado. E fazíamos a leitura deles, para as calibrações, pegando um microscópio ou uma lupa e contando o número de gotinhas que caíam nesse papel.

A gente queria melhorar essa forma de calibração.

Nesses trabalhos sobre a aplicação, o senhor é seguidamente citado tanto em artigos técnicos quanto em outros trabalhos acadêmicos, devido a pesquisas sobre pulverização. Especialmente aéreas, ocorridas a partir de 1999…

Foram três trabalhos importantes, que resultaram numa ferramenta de calibração de deposição chamada “Gotas”  – confira o Manual do Gotas – Programa e Análise de Deposição de Agrotóxicos, desenvolvido em conjunto pela Embrapa Meio Ambiente e pela Embrapa Informática, de Campinas/SP.

Como foram esses trabalhos?

 Na realidade, no trabalho com pulverização aérea, a Embrapa sempre procurou desenvolver uma ferramenta que ajudasse na calibração de deposição. Nós, por questões de custo, resolvermos usar como alvo o cartão sensível à água. O pessoal tem usado esses cartões para ver quantas gotas que caem por centímetro quadrado. E se fazia a leitura deles, para as calibrações, pegando um microscópio ou uma lupa e contando o número de gatinhas que caíam nesse papel.

Aí, em 1999, em um trabalho com a Conceição (a doutora em Matemática Aplicada Maria Conceição Peres Young), fizemos uma aplicação em Pelotas, onde eu fiz a leitura das gotas com um microscópio. Foram dias contando entre 200 e 300 gotículas em papeis hidrossensíveis. Para depois a Conceição fazer a mesma leitura com o sistema digital e compararmos os resultados. Reduziu em 99,7% o tempo de avaliação dos papeis hidrossensíveis.

Então, na prática foi um estudo para ver se os resultados batiam na contagem analógica e digital. E não para avaliar a pulverização em si…

Isso. O primeiro trabalho de 1999, foi para validar a ferramenta digital.

Apenas para comparar se os resultados da leitura “no olho”, via microscópio, e a avaliação computacional batiam…

Isso mesmo. Segundo o relatório do trabalho, a conclusão foi de que o programa computacional reduziu em 99,47% o tempo da leitura dos cartões.

Segundo o relatório da pesquisa,verificou-se que as mesmas 99 placas de papéis hidrossensíveis amostradas, levaram três dias de trabalho (de 8 horas cada um) para que fossem determinados os valores da uniformidade de gotas pelo modo tradicional, enquanto demandaram 5 minutos para a obtenção das mesmas informações com a utilização do programa

Em 2006, nós fizemos uma pulverização em condições adequadas de umidade e temperatura, com aplicação na taxa de 32 litros de calda por hectare, usando um bico D8-46, com avião voando a 170 quilômetros por hora e a três metros altura. Umidade relativa do ar em 70% e com temperatura de 17 graus. Nessa situação, a pulverização deu uma deposição de 22 (litros por hectare), com margem de mais ou menos 9 (litros/ha). Uma taxa de quase que 70% de recuperação de deposição (o resto caiu, por exemplo,  entre as plantas). Mostrando que seu usar as condições adequadas temperatura, umidade e tamanho de gota adequado você consegue uma excelente deposição. Essa deposição de 70% pode ser considerada excelente.

A terceira pesquisa – que teve três aplicações por avião em horários e condições meteorológicas diferentes pode ser acessada AQUI.

Mas quase todos os ensaios de pulverização foram realizados para a gente validar uma ferramenta que a Embrapa estava desenvolvendo para auxiliar a tomada de decisão nas empresas de aviação sobre os requisitos de calibração (do sistema de aplicação embarcado). Ou seja: qual seria a melhor forma de orientação dos bicos, quais os melhores bicos para serem utilizados para ter uma deposição legal, temperatura, vento, todos os parâmetros que influenciam nas pulverizações. Esse programinha aqui (o Gotas) sendo usado pelas empresas, antes de iniciar a temporada de pulverização, daria uma certa orientação dos melhores parâmetros de calibração para fazer tudo sem desperdício de produtos.

Só para calibração? Essas pesquisas com aviação não poderiam ser usadas, por exemplo, para orientar uma política pública sobre pulverizações aéreas, ou mesmo projetos de proibição?

Jamais. O programa utiliza papel sensível à água, que é um alvo artificial. Ele não captura certos tamanhos de gotas. Por exemplo, às vezes uma gota de tamanho muito grande cai sobre o papel, se espatifa e gera gotas pequenas, o que altera os resultados da análise. Entre outros problemas.

Ele serve tão somente para orientação de calibração. Ele não é uma análise de resíduo que você possa fazer um uso mais aprofundado. A parte científica da Embrapa (no caso das pesquisas com pulverização aérea para o Gotas) está em fornecer um instrumento de calibração para os agricultores poderem utilizar para melhorar suas pulverizações.

“Jamais (esse trabalho poderia orientar uma politica
pública sobre pulverização)… ele serve tão somente
para orientação de calibração.
Ele (o programa)não é uma análise de resíduo que
você possa fazer um uso mais aprofundado”

 

Foi apenas para melhorar as aplicações, então…

Não foi para dizer “a pulverização aérea produz esse volume”, ou “a pulverização aérea é ‘x’ ou é ‘y’ “. Esse instrumento serve para a pulverização aérea, para a pulverização terrestre. Serve, por exemplo, para o citros, onde você pode colocar os papeis nas plantas. Saber mais ou menos o volume em cada segmento da planta. Saber uma estimativa. Há uma série de inconvenientes no uso desse alvo artificial (o papel hidrossensível). Para a elaboração de uma política pública sobre pulverização, seria necessário dezenas de trabalhos no Brasil inteiro, envolvendo dezenas de especialistas em diferentes especialidades, com análise de resíduos que custa muito caro, mas também com quantidade de amostras que pudessem representar significativamente os resultados.

Em todos os meus resultados aqui para poder validar a tecnologia do Programa Gotas, que é gratuito e disponibilizado pela internet, a gente sempre usou 150 amostras. A partir de um cálculo estatístico para a sua finalidade. Se você não fizer uma análise estatística de antemão para fazer o experimento, a variabilidade é tão grande que invalida o experimento.

Nota do Sindag: o objetivo focado em aperfeiçoar uma ferramente de regulagem, e não avaliar risco ou não das ferramentas de aplicação, ficou claro também em ensaios com trator terrestre, que apontaram perdas entre 44% e 88% do produto (no caso, um traçador) aplicado sobre lavouras de tomate e feijão. E com pulverizador manual registrando perdas de 59% a 76% do traçador aplicado em tomate (confira nos hiperlinks assinalados em azul).

Além disso, o argumento de que as pesquisas da Embrapa não atestavam risco da aviação também constam na campanha de esclarecimento iniciada pelo Sindag em agostocuja base pode ser conferida AQUI (também com hiperlinks para fontes originais)

 

ALDEMIR CHAIM: desde os anos 1980 na Embrapa, pesquisador ajudou a validar programa computacional para calibração de equipamentos de pulverização- fotos: Castor Becker Júnior/C5 NewsPress

Para uma política sobe o setor, quantas amostrar se teria que ter?

Seria necessário fazer testes no Brasil inteiro, com várias situações de temperatura, umidade relativa do ar, em várias culturas. Esse trabalho, de 1999, foi feito no solo, onde colocávamos os cartões sobre tijolos deitados. Então, foi feita uma pulverização no chão, não tinha plantas. Quanto tem planta, o comportamento da deposição é completamente diferente. A temperatura do solo afeta a deposição, porque, se o solo estiver muito quente, o ar quente começa a subir. Faz um movimento de convecção e isso atrapalha a deposição das gotas.

O senhor parou com as pesquisas sobre pulverização?

Aí eu escolhi, muito mais tarde, (em relação às pesquisas com aviões e equipamentos terrestres convencionais), trabalhar com agricultura familiar. Então hoje eu quase exclusivamente me dedico a trabalhar com desenvolvimento de tecnologia para a agricultura familiar. E, mais especificamente, eu me tornei especialista em pulverização eletrostática. Temos vários trabalhos e patentes nessa linha, com vários equipamentos eletrostáticos. E a pulverização eletrostática tem dado resultados muito interessantes, com redução de até 90% do uso de ingrediente ativo para cultura de algumas pragas em estufas.  

 

 

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