17 de agosto de 2023
AvAg 76 anos: O avião do primeiro voo e a indústria
A operação que marcou o início da aviação agrícola brasileira, em 1947, foi realizada com um avião de fabricação nacional, assim como o voo da primeira mulher piloto agrícola, menos de seis meses depois
A primeira operação aeroagrícola no Brasil, há quase 76 anos (o aniversário é nesse sábado, dia 19), foi uma adaptação, com recursos nacionais, de uma técnica que já existia no mundo havia 26 anos. A coordenação do combate a gafanhotos que inaugurou o setor no País, na onda de calor daquele inverno de 1947, ficou a cargo do Ministério da Agricultura. Com a execução apoiada pelo Aeroclube de Pelotas. O sistema de pulverização adaptado ao avião (coisa que nem existia na época no País), foi encomendado às vésperas da missão de um funileiro local – a partir de imagens de publicações estrangeiras.
E até o avião designado para a missão, um biplano Muniz M-9, também era de fabricação nacional – por si só um feito para a época.
Tá, nem tudo era nacional, já que o motor do avião era um Havilland Gipsy Six de 200 hp, de fabricação inglesa. Mas tudo bem, já que até hoje os aviões brasileiros e outros produtos da indústria nacional são feitos em grande parte de componentes estrangeiros. Por uma questão de otimizar custos de pesquisa e produção, como aliás ocorre também com os outros países – algumas vezes tendo o Brasil como fornecedor (inclusive na aviação agrícola).
O M-9 era uma variante mais moderna do Muniz M-7, por sua vez, a primeira aeronave produzida em série no Brasil. Os biplanos foram projetados pelo então major do Exército Antônio Guedes Muniz. O M-7, o pioneiro, teve seu primeiro voo 17 de outubro de 1935.

…cujo sucessor M9 (que inaugurou o setor aeroagrícola no País) era praticamente igual, mas com um motor maior, o Havilland Gipsy Six de 200 hp
Com bom rendimento e resistência, os Muniz eram aparelhos de treinamento e foram vendidos primeiro para a Escola de Aviação Militar. Depois, a produção começou a ser direcionada para aeroclubes (caso de Pelotas). A fabricação estava a cargo da Fábrica Brasileira de Aviões, fundada em 1934 pelo industrial Henrique Lage, no Rio de Janeiro. A empresa foi a primeira fábrica de aviões instalada no Brasil. Ela mudou de nome depois para Companhia Nacional de Navegação Aérea (CNNA) e encerrou sua produção em 1948. Até 1951 ainda se manteve no ramo de manutenção, antes de fechar definitivamente as portas.
Mais aviões brasileiros
Logo depois da primeira operação aeroagrícola no Brasil, a percepção da eficiência e do potencial da nova ferramenta a agricultura do País fizeram surgir a primeira empresa aeroagrícola (a Sanda – Serviço Aéreo Nacional de Defesa Agrícola), também em Pelotas. Ela durou até o início dos anos 1950, prestando serviços para o governo gaúcho no atendimento a agricultores. Porém, utilizando aviões Piper J3C-65 (J-3 Cub) de fabricação norte-americana.

J-3CUB: o modelo norte-americano de treinamento foi largamente usado no mundo também para o trabalho aeroagrícola – foto: Wikipedia
Ao mesmo tempo, em São Paulo, no sábado de carnaval (7 de fevereiro) de 1948 a paulista Ada Rogato se tornou a primeira mulher piloto agrícola no Brasil (e a segunda no mundo, atrás da uruguaia Mirta Vani). Ada voou na aplicação de defensivos contra a broca-do-café, com um Paulistinha CAP-4, fabricado pela Companhia Aeronáutica Paulista (daí o CAP).
Foi em uma operação pioneira do Instituto Biológico de São Paulo, vinculado à Secretaria de Agricultura do Estado, onde Ada era secretária – revezando seus feitos aeronáuticos que já haviam lhe dado então mais de 1,2 mil horas de voo (confira AQUI, a matéria com vídeo em homenagem a ela).
Depois disso, a aviação teve um período de expansão com outras aeronaves norte-americanas adaptadas para agrícolas, como o Piper PA-18 Super Cub. Modelo, aliás, a ainda hoje usado para treinamento e que serviu para homenagear vultos do setor aeroagrícola no Congresso da Aviação Agrícola do Brasil. Ou como os helicópteros Bell-47. Ambas as aeronaves adquiridas também pelo governo brasileiro para programas de auxílio a agricultores.
Até que, em 1960, o País recebida o primeiro avião especialmente concebido para ser agrícola. Foi o Piper PA-25 Pawnee prefixo PT-BTS, importado pela Cooperativa dos Bananicultores do Estado de São Paulo. O modelo norte-americano dos anos 1950 foi o primeiro avião agrícola especialmente projetado para o trato de lavouras fabricado em série. Teve mais de 5 mil aparelhos produzidos pela Piper e atualmente é produzido na Argentina, pela Laviasa (que comprou os direitos sobre o projeto e suporte).

PAWNEE: o primeiro avião originalmente agrícola a voar no Brasil foi recebido com pompa e circunstância na Base Aérea de Santos, em 1960
A partir daí se iniciou a entrada de mais modelos agrícolas, até que em 1970 a Embraer apresentou o projeto do modelo Ipanema – o primeiro concebido no País e o único que chegou ao mercado. O Ipanema leva o nome da Fazenda Ipanema, onde entre o final dos anos 1960 e 1992 o Ministério da Agricultura centralizou a formação de pilotos agrícolas no País.
O avião teve seu primeiro voo em 1971 e está em sua sétima geração. No ano passado atingiu a marca de 1,5 mil unidades fabricadas desde seu primeiro voo, em 1970. A empresa atualmente ocupa mais de 55% do mercado nacional, segundo o último levantamento do Sindag sobre a frota aeroagrícola brasileira, divulgado no início de 2022.
Introduzido no mercado em 2015, o modelo Ipanema EMB-203 sai da fábrica movido a etanol. A exemplo de seu antecessor, o EMB 202 A – lançado em 2004 e que foi o primeiro avião no mundo homologado de fábrica para uso do biocombustível. Em 2020, comemoração aos 50 anos de seu primeiro voo, o Ipanema ganhou uma nova pintura, com as cores da bandeira brasileira.
Em stand by
Além do Ipanema, a Embraer teria também projetado um avião agrícola maior – o EMB-210 Formigão, que não saiu do papel. O projeto dos anos 1970 chegou a ser ventilado na imprensa da época e consta no livro A Construção Aeronáutica no Brasil – 1910/1976, de Roberto Pereira Andrade. Segundo a obra, o projeto previa uma capacidade de carga de 1 tonelada no hopper, com motor Lycoming de 400 hp e hélice tripá.
Outro modelo que não chegou ao mercado – mas saiu da prancheta mas ainda não sem homologação para agrícola – é o IPE-010 AG Curiango, da IPE Aeronaves, de Curitiba/PR. Com motor a etanol o modelo é equipado com motor lycoming de 300 hps e possui um hopper de 1,2 mil litros.
Amanhã: Os personagens