De bandeirinha a piloto de drones agrícolas

Quando comecei a trabalhar em aviação agrícola, em 1990, as aplicações aéreas ainda
eram orientadas por balizadores em solo, os chamados “bandeirinhas”. Os pilotos
precisavam de pelo menos duas pessoas dentro da lavoura para sinalizarem onde
deveriam ser feitos os voos, com passadas paralelas e equidistantes.

O trabalho tinha uma precisão duvidosa, pois o caminhamento dos bandeirinhas nem
sempre seguia as distâncias pré-determinadas. Também existia o risco de danos à
saúde desses trabalhadores, devido à exposição à névoa pulverizada, embora vários
cuidados fossem tomados, como o uso de equipamentos de proteção individual e o
caminhamento dos trabalhadores sempre no sentido contra o vento. Por diversas vezes,
ao tentar treinar os trabalhadores para “embandeirar” corretamente uma aplicação,
precisei assumir a tarefa para concluir o serviço adequadamente.

Em 1995 surgiu o advento do GPS instalado nos aviões agrícolas para orientar o piloto
de forma eletrônica onde sobrevoar a lavoura. O uso pioneiro numa semeadura de
pastagem pela Mirim Aviação Agrícola revelava que o sinal de GPS era instável e
limitado, existia uma margem de erro considerável, era necessáriauma estação em solo
para fornecer o sinal diferencial ao GPS e, desta forma, possibilitar uma qualidade
razoável na aplicação.

Alguns agricultores contratantes do serviço tinham dúvidas sobre a qualidade daquele
trabalho, e vários pilotos mais veteranos tiveram alguma dificuldade em aceitar a nova
tecnologia por conta do costume de se orientar pelos bandeirinhas. Mas, em pouco
tempo, tanto os agricultores perceberam a excelente qualidade da aplicação orientada
por DGPS, quanto os pilotos agrícolas se adaptaram à nova tecnologia.

Os pilotos que passamos a formar no CAVAG da Aero Agrícola Santos Dumont, a partir
daquele momento, já eram preparados para trabalhar com DGPS, não mais recebendo
aulas para aplicações orientadas por trabalhadores dentro do talhão.

Dez anos depois, toda a frota brasileira já utilizava DGPS e foi proibido, pelo Ministério
do Trabalho, a prática do uso de trabalhadores para sinalizarem ao piloto onde deveriam
ser feitos os voos. Foi uma grande conquista para o setor, um marco para aviação
agrícola, que rapidamente adotou esta ferramenta tão importante.

Vinte anos depois da chegada do DGPS à aviação agrícola brasileira, uma nova
tecnologia revolucionária chega ao Brasil: os drones de aplicação agrícola. Tive
oportunidade de ser um dos pioneiros neste mercado, trabalhando como consultor,
fazendo pesquisas, validação técnica e orientando no uso da nova ferramenta.

Em 2016, iniciei os trabalhos de pesquisa com drones agrícolas. Em 2018 montamos
uma empresa de prestação de serviço para aprender a executar os atendimentos com
drones para os agricultores. Em 2019 criamos na Schroder Consultoria Agro o primeiro
curso para pilotos de drones agrícolas do Brasil, hoje com 40 turmas concluídas.
Agora em 2023, depois de um terço de século do início do meu trabalho com aviação
agrícola tripulada, observamos um mercado aeroagrícola pujante no Brasil, ocorrendo
de forma complementar o uso de aviões agrícolas tripulados e drones agrícolas.

O emprego de aviões agrícolas tripulados e drones agrícolas nas mais diversas culturas,
assegurado por uma legislação muito moderna, dá segurança para os aplicadores, para
os contratantes do serviço e para a sociedade como um todo. As aplicações se mostram
muito seguras para o ambiente, para as pessoas e, especialmente, para o alimento
produzido nessas áreas.

Lavouras de grãos, como soja, milho, arroz e trigo utilizam muito as aplicações com
drones em complementação às aplicações com aviões tripulados. É possível afirmar
que as áreas pouco adequadas para o uso de aviões agrícolas, devido ao seu pequeno
tamanho, ou à presença de obstáculos como redes elétricas, ou ainda devido à
proximidade de cidades e culturas sensíveis, estão sendo tratadas com drones
agrícolas. Desta forma, os aviões tripulados ficam liberados para atender áreas maiores,
com voos mais seguros e com maior rendimento operacional.

Agricultores que fazem aplicações terrestres também estão utilizando drones agrícolas
de forma complementar, em momentos com solo muito molhado para o trânsito dos
pulverizadores, em situações em que a cultura está com o porte muito alto e as perdas
por amassamento comprometem a rentabilidade da lavoura.

Outros cultivos como frutíferas, hortaliças cana-de-açúcar e reflorestamento também
utilizam com grande sucesso os drones agrícolas no Brasil.

Um dos motivos da rápida ascensão desta tecnologia é o fato do drone ser a ferramenta
mais versátil do mercado, tornando-se o único equipamento que pode ser utilizado com
sucesso na grande propriedade, fazendo aplicações localizadas, na média propriedade,
fazendo aplicações localizadas ou em área total, e na pequena propriedade, fazendo
aplicação em área total, inclusive substituindo integralmente as aplicações terrestres
com equipamentos tratorizados e, principalmente, com pulverizadores costais.
Outra vantagem dos drones agrícolas é não necessitar de um aplicador no interior da
lavoura, sendo o único equipamento disponível para fazer a aplicação de um produto
agroquímico sem ninguém dentro do talhão.

Um terceiro benefício da tecnologia de drones é o fato de que toda a aplicação fica
registrada num relatório do serviço, similar ao que ocorre com os aviões, gerado pela
própria aeronave, com um mapa do local onde a aplicação foi realizada, além de
informações como data, horário, altura de voo e largura de faixa.
Alguns desafios ainda precisam ser vencidos, como a necessidade de ajustar a
legislação do Ministério da Agricultura com a do Ministério do Trabalho, definindo as
atribuições e responsabilidades do piloto de drones, que deve ser a pessoa que
coordena a operação, e do aplicador aeroagrícola remoto, que é seu auxiliar, sem a
possibilidade de acúmulo ou confundimento de funções.

Um aspecto muito importante da legislação de drones no Brasil é a definição da buffer
zone entre as aplicações e as áreas sensíveis no entorno, como cidades, moradias
isoladas, áreas de preservação, etc, estabelecida em vinte metros e que,
comprovadamente, tem se mostrado segura. Um eventual aumento desta distância por
força legal seria um grande equívoco, pois inviabilizaria o emprego dos drones agrícolas
nas pequenas propriedades, condenando aqueles agricultores a continuarem usando
os obsoletos, imprecisos e inseguros pulverizadores costais.

Atenção deve ser dispensada à necessidade dos órgãos reguladores adequarem sua
estrutura operacional para a efetiva fiscalização das operações com drones agrícolas.
A aviação agrícola tripulada brasileira possui uma frota de 2.500 aviões, operados por
300 empresas de prestação de serviço e pouco mais de 700 operadores privados. São,
portanto, apenas 1.000 operadores a serem fiscalizados em todo o país, sendo que mais
da metade da frota se encontra concentrada apenas nos estados do MT, RS e SP.

Por outro lado, a frota de drones agrícolas que era composta por aproximadamente 500
unidades em 2020, hoje é estimada entre cinco e seis mil drones, espalhados por todo
o país, pertencentes a milhares de operadores. Como fiscalizar este mercado?

O momento é delicado para o setor aeroagrícola, com várias iniciativas estaduais
visando a proibição das aplicações aéreas, o que inviabilizaria diversos cultivos
agrícolas, entre eles o arroz irrigado por inundação, uma das mais importantes fontes
de alimento da cesta básica. É preciso forte mobilização do setor aeroagrícola para
impedir que os equivocados projetos de deputados estaduais prosperem.

Desta forma, relatamos, nesse breve artigo, duas mudanças muito significativas que
ocorreram em um terço de século, e que este consultor pode vivenciar: a mudança do
balizamento humano com bandeirinhas pelo DGPS nos aviões agrícolas; e o uso
simultâneo de aviões agrícolas tripulados de forma complementar com drones agrícolas.
Este engenheiro agrônomo, que atuou como “bandeirinha”, hoje é piloto de drones
agrícolas. O que o futuro nos reserva?

Eugênio Schröder
Eng. Agrônomo, colunista do Sindag
Sócio-diretor da Schroder Consultoria Agro