Resíduos de produtos fitossanitários em água de consumo no Rio Grande do SUL no período 2014-2019.

Resíduos de produtos fitossanitários em água de consumo no Rio Grande do SUL no período 2014-2019.

Claud Goellner*

 A obrigatoriedade de monitoramento de resíduos de produtos fitossanitários no Brasil data de 1990, porém somente quando o Ministério da Saúde estabeleceu o Programa Nacional de Vigilância da Água para Consumo Humano (VIGIAGUA) em 2011, que a atividade passou a ser efetiva e rotineira. No tocante aos produtos fitossanitários, a Portaria do MS 2914/2011 estabeleceu os padrões para 27 produtos definindo um Valor Máximo Permitido (µg/L) (VMP) e no artigo 41, parágrafo 5, cita que os responsáveis pelo controle da qualidade da água devem elaborar um programa de monitoramento da água, com planos de amostragem e metodologia, para a bacia hidrográfica em questão, em função dos seus usos e sazonalidade das culturas onde são utilizados e submeter para a análise da autoridade municipal de saúde.

 Nesta Portaria, o valor máximo permitido (VMP) foi definido para 27 produtos fitossanitários em termos de risco de saúde pública e foram adotados, para tomada de decisão dos seus valores, a massa corpórea de 60 kg e o consumo per capita de dois litros de água por dia. A inclusão destes produtos considerou uma série de critérios toxicológicos, de uso e de comportamento ambiental.

O VIGIAGUA utiliza o Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA), cuja alimentação é realizada a partir dos dados gerados rotineiramente pelos profissionais do setor saúde (Vigilância) e responsáveis pelo abastecimento de água (Controle). O plano de amostragem do Controle é definido pela Portaria MS 2914/2011 (Diretriz Nacional do Plano de Amostragem da Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), que estabelece o número mínimo de amostras em cada sistema de abastecimento de água do município e a respectiva frequência de coleta.

No caso do Estado do Rio Grande do Sul, a Portaria nº 320, de 28 de abril de 2014 da Secretaria Estadual de Saúde estabeleceu produtos fitossanitários adicionais ao padrão de potabilidade para substâncias químicas, no controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano. Assim, no Rio Grande do Sul, as companhias de abastecimento de água devem realizar o controle de 73 ingredientes ativos de produtos fitossanitários na água fornecida aos consumidores. Compilamos os dados das milhares de análises que constam das planilhas semestrais do SISAGUA/MS para o Estado e para o período de 2014-2019 tanto para amostras coletadas no sistema global que envolve a captação, tratamento e distribuição da água, como especificadamente, para as amostras de água que chegam às economias dos usuários e os resultados são discutidos na sequência.

Os resultados das análises de água de consumo de amostras coletadas nos três pontos (captação, sistema de tratamento e sistema de distribuição) para o Estado e para o período de 2014-2019 são apresentados na Tabela. O total de análises foi 45.970 com uma média de 7.662 análises anuais. O total de amostras sem nenhum resíduo de produtos fitossanitários constantes na Portaria nº 320/2014 foi de 939 com um percentual de 2,4%. Das análises com resíduo, 79,5% estavam abaixo do limite de detecção e 17,05% do limite de quantificação do método. Tão somente 0,015% apresentaram valores acima do Valor Máximo Permitido (seis análises) e todas estavam relacionadas à presença de aldrim + dieldrim, que como já reportamos, teve seu registro cancelado na década de 70 do século passado e não se acha em uso.

Resíduos de produtos fitossanitários em água de consumo no Rio Grande do Sul para o período 2014-2019 (base planilhas semestrais do SISAGUA/MS).

ANO TOTAL SEM RESÍDUO % < LD % <LQ % <= VMP % >VMP %
2014 4.415 291 6,6 3.748 84,9 258 5,8 118 2,67 0 0
2015 5.390 438 8,2 4.633 85,9 273 5,06 41 0,76 5 0,09
2016 7.314 44 0,6 6.826 93,32 244 3,33 199 2,72 1 0
2017 9.847 161 1,63 6.555 66.6 2.981 30,27 150 1,52 0 0
2018 9.709 5 0,05 6.703 60,03 2.913 29,58 88 0,89 0 0
2019 9.295 0.0 0 8.082 86,9 1.171 12,59 42 0,45 0 0
Total 45.970 939 36.547 7.840 638 6
Média 7.662 157 2,04 6.092 79,5 1.307 17,05 106 1,38 1 0,015

*LD= Limite de detecção do método ** Limite de quantificação do método

Como pode ser observado, a grande totalidade das amostras apresentou somente traços de algum produto fitossanitário ou outro, uma vez que a análise envolve uma metodologia multiresíduo, onde numa mesma amostra, são detectados vários produtos ao mesmo tempo. Ao longo do período, o percentual de amostras com valores acima do VMP foi extremamente baixo.  Um aumento no número de análises de 110% de 2014-2019 não redundou em aumento no número de amostras fora dos padrões de potabilidade. Em somente dois anos (2015e 2016) foram encontrados valores de resíduo acima do VMP.

Já na Figura, são mostrados os resultados para as análises feitas no sistema de distribuição. Foram feitas um total de 928 análises com uma média anual de 155 e o percentual de análises com valores acima do VMP foi extremamente baixo (2 amostras), sendo que na maioria dos anos não foram encontradas nenhuma análise que excedeu o limite estabelecido. Na média do período o percentual foi de 0,21% de análises acima do VMP.

Resíduos de produtos fitossanitários em água no sistema de distribuição no Rio Grande do Sul para o período 2014-2019 de acordo com as Planilhas semestrais do SISAGUA/MS.

As duas amostras com resíduos acima do VMP se referem ao inseticida aldrim +dieldrim e são referentes ao monitoramento feito nos municípios de Dona Francisca e Caseiros.    A análise dos dados oficiais mostra que o índice de amostras com resíduos de produtos fitossanitários na água de abastecimento e consumo no Estado do Rio Grande do Sul também é irrisório. A forma como o tema é tratado por alguns setores da sociedade, tanto privados como públicos, bem como, pela mídia revela um viés puramente ideológico e uma desonestidade intelectual, levando informações erradas aos consumidores o que, sem dúvida, gera medo e revolta contra os produtores rurais, além do desgaste da imagem e da competitividade do setor produtivo perante países concorrentes e/ou importadores de nossas commodities e alimentos. Trabalho de comunicação e apresentação dos fatos e da verdade deve ser considerado pelos representantes do Setor e dos Governos, nos níveis Estatuais e Federal.

*Professor Titular Aposentado de Toxicologia, Ecotoxicologia e Toxicologia de Alimentos em cursos de Agronomia, Engenharia Ambiental, Farmácia, Engenharia de Alimentos e Medicina Veterinária em várias Instituições de Ensino Superior no Rio Grande do Sul. Atualmente consultor na área.