Planejamento, a vida em suas mãos

Como é difícil para nós, pilotos, admitirmos que erramos. Muitas vezes é mais fácil admitirmos que não conseguimos cumprir uma determinada norma ou regra, do que dizer: errei.

Pior é não acreditarmos que erramos, que somos falíveis e que esses erros podem nos custar muito caro, e não somente a nós, mas as nossas famílias, amigos, empregadores e outros. Diferente de muitas outras profissões, a nossa nos cobra um preço caro por nossos erros, normalmente nossa vida.

Como piloto sempre tive curiosidade pela área de segurança de voo, desvendar os mistérios dos acidentes, saber por que ocorriam, entre outros. Costumo ler os relatórios finais e aprender com eles.

Analisando alguns relatórios específicos da aviação agrícola, o que mais chama a atenção são os fatores contribuintes que costumeiramente se repetem, e isso incomoda. Incomoda principalmente porque alguém se machucou ou perdeu a vida e não fomos capazes de aprender com o erro do colega, e as mesmas situações vem se repetindo a cada safra.

Quantos pilotos irão colidir com redes elétricas esse ano? Quantos irão “estolar” no balão? Quantos não conseguirão decolar até o final da pista por excesso de peso? Sem falar em inúmeros outros problemas, como manutenção precária ou falta mesmo, além das conhecidas Unnaproved Parts (peças não aprovadas)!

E qual é a relação entre os acidentes acima? Uma única palavra.

Planejamento!

Os relatos dos pilotos em sua grande maioria mostram que eles sabiam onde estavam as redes elétricas, mas que devido o sol na proa ou esquecimento colidiram com elas. E isso tem se repetido. Solução? Um melhor planejamento de nosso voo. Analisar bem a área antes da aplicação, fazer um croqui, se atentar para a posição do sol na aplicação, se for possível fazer as “piores áreas” primeiro, antes de estar cansado e somente então pulverizar as áreas mais fáceis, aquelas que possuem menos obstáculos.

Em relação aos estóis, quantas e quantas vezes já ouvimos e nos foi provado com outros acidentes que, “apertar” o balão é a única forma de aumentar nosso risco sem termos ganhos nenhum? Dois ou três segundos a menos ganhos por um risco muito alto, a conta não fecha!

Agora três palavras que assustam todos os pilotos: Performance, Peso e Balanceamento.

Que palavras que nos trazem temor, quantos de nós realmente aprendeu a calcular o peso máximo de decolagem de nossos aviões? Mas infelizmente, isso faz toda a diferença!

Normalmente a pulverização aérea começa mesmo antes do raiar do sol, vamos para nossa área e o trabalho começa e lá ficamos, o dia todo, se as condições climáticas deixarem. Só que, pela manhã a temperatura do ar é menor, e a densidade maior! Não vamos conseguir continuar nossas decolagens ao longo do dia com a mesma carga, se a temperatura aumentar, a densidade do ar diminuir, e claro, a pista não aumentar!

Se no começo do dia decolávamos com uma carga de X quilos, em um determinado momento é certo, que esse peso não será mais possível, mas na prática não é isso que acontece, até tomarmos um susto. E dermos sorte, de ter sido apenas, um susto! Não adianta, se quisermos continuar operando com segurança, novamente, planejamento! A conta novamente não vai fechar se continuarmos a tentar decolar na mesma pista, com a mesma carga, mas com a temperatura do ar diferente. Uma hora, a pista estará curta, a cerca mais próxima, e os eucaliptos mais altos, e mais um acidente na estatística!

Hoje antes de dormir, e amanhã antes do próximo voo, pense um pouco nisso que comentamos: planejamento!

Lembre-se que existem pessoas que esperam seu retorno, e que dependem de você! E com certeza elas estão planejando algo, aguardando sua chegada!

Boa safra, e voe seguro!

Mateus Ghisleni

Diretor de Segurança de Voo do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA)

Piloto de Linha Aérea