Quais as consequências legais para o produtor rural que contrata serviço clandestino de aviação agrícola?
Quando contratado serviço clandestino de aviação agrícola, o produtor rural poderá responder junto com as pessoas físicas e jurídicas responsáveis pelo serviço clandestino em caso de danos ao meio ambiente.
São três as esferas passíveis de fiscalização e penalização: 1) Administrativa; 2) Cível e; 3) Criminal.
Ou seja, numa mesma conduta contrária à legislação pode o produtor rural vir a ser penalizado nas três esferas.
A esfera ADMINISTRATIVA é aquela composta pelos órgãos fiscalizadores do “Estado”, tais como as Secretarias Municipais de Meio Ambiente, nos municípios (desde que credenciados pelo Estado), o órgão ambiental, em nível estadual, e o IBAMA, em nível nacional.
Se a atividade desenvolvida pelo produtor rural exigir a expedição de licença, como acontece, por exemplo, na questão do arroz irrigado, sendo o órgão estadual expedidor da Licença, e estando vigente, somente este órgão poderá promover a fiscalização e a autuação, em caso de não observância das regras.
Se a atividade exigir Licença, mas o produtor rural não estiver licenciado, a fiscalização e autuação poderá ser realizada por qualquer dos órgãos, uma vez que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente.
Se a atividade for de impacto local, a competência para fiscalização e autuação é do órgão municipal de meio ambiente (secretaria municipal ou órgão específico, caso existente, e desde que credenciados pela Estado); se for de impacto estadual, a competência para fiscalização e autuação é do órgão estadual; se for de impacto interestadual, ou seja, que afeta áreas integrantes de dois ou mais Estados da Federação, a competência para fiscalização e autuação é do IBAMA.
Quanto às penalidades, podem variar desde multa simples, apreensão de máquinas e equipamentos utilizados na atividade ilícita, suspensão da atividade, dentre outras, conforme o caso concreto.
A título de exemplo, os dispositivos legais mais utilizados pelos órgãos ambientais na aplicação de multas, justamente por serem genéricos, abarcando grande parte das condutas irregulares, são é os artigos 61 e. 66, do Decreto nº 6.514/2008, que assim dispõem:
“Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).
Art. 66. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, atividades, obras ou serviços utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, em desacordo com a licença obtida ou contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes:
Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).”
Na aplicação dessa multa, o agente autuante, ao lavrar o auto de infração, deverá observar a gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente, os antecedentes do infrator, quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental e a situação econômica do infrator.
Portanto, tratam-se de circunstâncias subjetivas e, regra geral, se a multa for aplicada respeitando os parâmetros mínimo e máximo, considera-se regular a conduta do agente do Estado, somente sendo passível de revisão pelo Poder Judiciário que, na maior parte das vezes, mantém as penalidades aplicadas, a menos que sejam flagrantemente excessivas.
No que se refere à ANAC, somente poderá fiscalizar e autuar aqueles que são proprietários, de fato ou de direito, de aeronaves agrícolas, não sendo o produtor rural passível de fiscalização e autuação pela Agência, a menos que seja o proprietário da aeronave utilizada para pulverização.
Ainda, os órgãos ambientais tem o poder/dever de informar ao Ministério Público as irregularidades verificadas. Este, por sua vez, será o responsável pela adoção das providências nas duas outras esferas, CÍVEL e CRIMINAL.
Inicialmente, o Ministério Público, através de seu agente, o Promotor de Justiça, promove a instauração de Inquérito Civil (fase administrativa, prévia a eventual processo judicial), que tramita na Promotoria de Justiça, e investigará os aspectos cíveis da infração.
Em paralelo, o Promotor de Justiça requisita à autoridade policial, a quem compete, como regra, promover a investigação de ilícitos criminais, a instauração de Inquérito Policial, que tramitará na Polícia Civil.
Se as infrações envolverem dois ou mais Estados da Federação, ou o bem atingido for de propriedade da União, competirá ao Ministério Público Federal, através dos Procuradores da República, e à Polícia Federal, a investigação dos ilícitos.
No Inquérito Civil, que tramitará na Promotoria de Justiça, o Promotor de Justiça fará a investigação dos fatos e, através de provas documentais, fotografias, perícias e oitiva de testemunhas, dentre outras, chegará à conclusão da ocorrência de danos ao meio ambiente, ou não.
Concluindo que não ocorreram danos, promoverá despacho de arquivamento, submetido à homologação do Conselho Superior do Ministério Público.
Por outro lado, se concluir pela ocorrência de danos ou a existência de operação sem licenciamento ambiental devido, pode propor a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, contendo cláusulas como a REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL, se possível a reparação, E a INDENIZAÇÃO dos danos praticados, se impossível a reparação ou se o ambiente já tiver se autoregenerado, dentre outras condições, tais como o compromisso de não mais praticar danos ao meio ambiente, não desenvolver atividades sem as devidas licenças, etc., prevendo ainda multas em caso de novo descumprimento.
Como regra, é proposto TAC com a CUMULAÇÃO da REPARAÇÃO DO DANO E a INDENIZAÇÃO, até porque o Promotor de Justiça é um agente do “Estado”, e como tal não pode renunciar aos direitos da coletividade. A menos, como já referido, que seja impossível a reparação ou já tenha havido a autoregeneração do meio ambiente, quando exigirá somente a indenização.
Esta INDENIZAÇÃO, como o próprio nome diz, tem caráter de COMPENSAÇÃO do dano ambiental, e não de MULTA. A multa pode ser imposta na esfera administrativa, na esfera criminal (multa com caráter punitivo) e em eventual descumprimento das regras do TAC, como penalidade pelo descumprimento de obrigação livremente ajustada.
Aqui outro ponto importante. O TAC NÃO É OBRIGATÓRIO. O Termo de Ajustamento de Conduta é “contrato”, ajuste de VONTADES entre as partes, e como tal não é obrigatório. Ninguém pode ser obrigado assinar um contrato.
Indispensável que antes de cogitar a assinatura de um TAC o produtor rural consulte um advogado especialista, ou com experiência na área ambiental, que o orientará sobre as vantagens e desvantagens de assinar o documento.
O TAC, depois de assinado, é tido como TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL, o que significa que, em caso de descumprimento das regras livremente ajustadas, pode o Ministério Público EXECUTAR o TAC, sem a necessidade de ajuizamento de ação de conhecimento (aquela que permite ampla defesa, até uma sentença final, com possibilidade de recursos), para exigir o cumprimento das obrigações assumidas e o pagamento das multas pelo descumprimento das mesmas.
Traçando um paralelo, para auxiliar no entendimento, é como executar um cheque, com a possibilidade imediata de penhora de bens, em caso de não pagamento do mesmo pelo devedor após sua citação, ao invés do ajuizamento de ação de cobrança, para então, ao final, se obter uma sentença definitiva, passível de execução. Evidente, pois, o encurtamento do caminho.
Por óbvio que, proposto o TAC, se entender o produtor rural em não firmá-lo, pode o Ministério Público ajuizar uma AÇÃO CIVIL PÚBLICA (que é a ação de conhecimento), para buscar que o Poder Judiciário obrigue o produtor rural que praticou o dano ambiental a repará-lo e indenizá-lo.
Importante deixar claro que a indenização proposta pelo Ministério Público, seja no TAC ou mediante pedido de condenação na Ação Civil Pública, não tem parâmetros de valores fixados na legislação. Assim, o Promotor de Justiça se valerá de técnicos que, avaliando os danos cometidos, fará sugestão de valor “subjetivo”.
Como dito, em paralelo estará tramitando o INQUÉRITO POLICIAL, em que a Polícia Civil (ou a Polícia Federal, se for o caso) investigará os aspectos CRIMINAIS do dano ambiental. Igualmente aqui, o Delegado de Polícia fará a investigação dos fatos através de provas documentais, fotografias, perícias e oitiva de testemunhas, dentre outras e, ao final, fará um Relatório, INDICIANDO OU NÃO, o investigado, e remetendo o Inquérito ao Poder Judiciário.
Indiciado ou não, o Ministério Público não está submetido à conclusão da autoridade policial. Significa dizer que, mesmo indiciado, não está o Promotor de Justiça obrigado a denunciar ou, não sendo indiciado, nada impede que o Promotor de Justiça denuncie. Isto ocorre porque a Lei conferiu ao Ministério Público a condição de “titular” da Ação Penal, no sentido de, cumpridas as exigências legais, ter a prerrogativa de decidir quais as medidas a serem adotadas a partir do envio do Inquérito Policial ao Poder Judiciário.
Tão logo o Inquérito Policial seja remetido ao Poder Judiciário, o Juiz abre vista ao Ministério Público. Então o Promotor de Justiça proporá uma das três alternativas:
1) o ARQUIVAMENTO, se entender ausente a prova do crime, chamada de MATERIALIDADE (proval material) ou, mesmo que exista a prova do crime, não se puder identificar o responsável, o autor do delito, chamada de AUTORIA;
2) requisitar NOVAS DILIGÊNCIAS à Polícia Civil, caso entenda que são necessárias outras investigações para dar maior robustez à MATERIALIDADE e à AUTORIA ou;
3) promoverá a DENÚNCIA (nome técnico da peça acusatória), onde demonstrará que a conduta praticada caracteriza um crime previsto na legislação.
Recebida a Denúncia pelo Juiz, o investigado se torna RÉU, será citado para apresentar sua DEFESA, onde poderá refutar as acusações que lhe são feitas, postular a oitiva de testemunhas, perícias, etc, e, ao final, o Juiz dará uma Sentença, condenando ou absolvendo o réu, com possibilidade de recurso à parte (réu ou Ministério Público).
Em caso de condenação, a pena a ser aplicada dependerá da conduta praticada, podendo implicar em pena restritiva de liberdade (prisão) e aplicação de multa, a ser definida pelo Juiz. Sendo o denunciado primário e dependendo do delito praticado, poderá ter direito à transação penal ou suspensão condicional do processo, medidas preliminares à tramitação da Ação Penal, propriamente dita.
A título de exemplo, os dispositivos legais mais utilizados pelo Ministério Público em suas Denúncias, justamente por serem genéricos, abarcando grande parte das condutas irregulares, são o art. 54 e art 60, da chamada Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que dispõem assim:
“Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa
Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”.
Assim, por todo o exposto, podemos concluir que, ainda que a aviação agrícola regular – que detém todas as licenças exigidas e, como regra, atende a todas as regras legais, evitando a ocorrência de danos ambientais – possa parecer ter um custo mais elevado para o produtor rural, certamente os custos financeiros e pessoais, somada à insegurança jurídica, decorrentes da contratação de serviço clandestino, serão muito mais elevados.