11 de julho de 2024
A aviação agrícola se despede de Juliana Turchetti
Piloto agrícola desde 2013, primeira brasileira a voar turboélice nos Estados Unidos e a voar o Fire Boss, ela sofreu uma acidente nesta quarta (10) em uma operação contra chamas, sendo citada como heroína
A aviação brasileira perdeu na tarde desta quarta-feira (dia 10) a piloto agrícola Juliana Turchetti, 45 anos, em um acidente durante uma operação de combate a incêndio florestal nos Estados Unidos. O fato ocorreu no Estado de Montana, no oeste do país, onde Juliana integrava a equipe que combatia as chamas na Floresta Nacional de Helena, cidade sede do Condado de Lewis e Clark, no centro-oeste do Estado.
O Sindag divulgou agora pela manhã a Nota de Pesar pela perda da profissional, que era considera um exemplo “força feminina no setor e da garra e profissionalismo dos pilotos brasileiros”. Além disso, a própria presidente da entidade, Hoana Almeida Santos, destacou que a partida precoce da profissional é uma perda irreparável para a aviação agrícola. “Estamos muito tristes e abalados com a notícia. Juliana representava não somente a determinação e a coragem dos pilotos brasileiros, mas era também um exemplo de profissionalismo, pela linda trajetória. Valorizando o papel das mulheres no setor e sendo fonte de inspiração para muitos”, sublinhou a empresária.
A filha do pioneiro e patrono da aviação agrícola brasileira (Clovis Gularte Candiota), Iris Helena Candiota, também se manifestou sobre o acidente. “Com muito pesar tomei conhecimento hoje da morte da Piloto Agrícola brasileira, cumprindo missão de combate a incêndios nos Estados Unidos. Meu abraço aos familiares , companheiros e amigos”, comentou, em mensagem enviada ao Sindag.
Amiga de Juliana e também piloto agrícola e de combate a incêndios, a gaúcha Joelize Friedrichs (que atua no Brasil) ressaltou que a amiga é um exemplo e inspiração. “Ela realizou o sonho de muitas nós, que é voar o Fire Boss e estava construindo a carreira dela nos Estados Unidos”, comentou, referindo-se à versão do avião agrícola Air Tractor AT-802 equipada com flutuadores. Trata-se de um modelo concebido justamente para operar em combate a incêndios a partir de lagos e represas e que ainda não existe no Brasil.
“Ela era uma das grandes”, completou Joelize (ouça AQUI o depoimento da piloto sobre a colega). Recordando também as conversas no grupo de pilotos agrícolas mulheres no WhatsApp, onde aconselhava as colegas brasileiras sobre como conciliar carreira e maternidade, por exemplo. “Os feitos dela, as conquistas dela e seus conselhos vão mantê-la viva em nossos corações. É isso, está sendo bem difícil”, concluiu, emocionada…
Como foi o acidente
O acidente com Juliana Turchetti teria ocorrido por volta do meio-dia no horário local (15 horas no Brasil), durante a manobra de scooping com o FireBoss. Nesse tipo de operação, o piloto pousa a aeronave em um lago ou represa, mas segue a corrida captando água para o hopper (reservatório) e decola em seguida. Segundo testemunhas mencionadas pela imprensa norte-americana, eram três AT-802 atuando na área. Eles estavam captando água no ponto conhecido como Hauser Lake – cerca de oito quilômetros a noroeste da represa, também no Rio Missouri. Já as chamas estavam sendo combatidas na área conhecida como Horse Gulch, mais perto da represa
Segundo relato à imprensa do xerife de Lewis e Clark, Leo Dutton, no momento do acidente, Juliana estaria em segundo no circuito de toque, corrida e decolagem, mas, enquanto realizava o scooping, o avião pareceu ter batido em algo, despedaçou-se na água e afundou. As investigações sobre as causas do acidente agora estão a cargo do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA (NTSB, na sigla em inglês), que poderá dizer se houve mesmo choque contra objeto, banco de areia ou onda.
O corpo de Juliana foi recuperado por volta das 17 horas locais (20 horas em Brasília), por equipes voluntárias de busca e resgate dos condados de Lewis and Clark e de Gallantin. Mas as autoridades não divulgaram a identidade dela até que seus parentes no Brasil tivessem sido contatados. Até então, a imprensa mencionava apenas uma piloto de 45 anos cujos familiares eram de outro país.
HEROÍNA
Os três FireBoss envolvidos na operação pertencem a uma empresa que atua para o Serviço Florestal dos Estados Unidos . Por conta disso, os governadores de Montana (onde ocorreu o acidente), Greg Gianforte, e de Idaho (que cedeu o avião ao Serviço Florestal no Estado vizinho), Brad Little, emitiram uma nota conjunta.
“Estamos profundamente tristes em saber do falecimento da jovem bombeira florestal que tragicamente perdeu a vida respondendo ao incêndio Horse Gulch em Helena, Montana”.(…) “Nossos primeiros socorristas e bombeiros florestais arriscam suas vidas para responder rapidamente às ameaças e proteger nossas comunidades. É um verdadeiro ato de bravura correr em direção ao fogo. Nós nos juntamos a todos os habitantes de Montana e Idaho em oração pela família e amigos da heroína caída durante este momento trágico”, menciona o documento.
Exemplo de persistência e dedicação
“Não é só um trabalho, é um chamado”, diz a última postagem de Juliana Turchetti em sua página no Facebook. Foi no dia 4 de maio – pelo Dia Internacional dos Bombeiros, onde ela não só resume o auge do que ela estava vivendo, como descreve bem a personalidade inquieta dessa mineira de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Que, aliás, era Torchetti, antes de conseguir cidadania italiana devido à sua ascendência familiar.
Tendo contabilizado em sua carreira mais de 6,5 mil horas de voo, desde pequena ela quis ser piloto, mas começou como comissária de bordo. Entrou para a aviação em 2007, foi instrutora de voo e depois copiloto e piloto em aviões Boeing 727 e 737. Até que em 2013 entrou para aviação agrícola.
Em 2018 foi morar nos Estados Unidos, onde se tornou a primeira brasileira a voar em lavouras na terra do Tio Sam. Onde vez também a transição para aeronave turboélice e onde acabou participando, em 2021, do vídeo comemorativo dos 100 anos da aviação agrícola no mundo. Produzido pela Associação Nacional de Aviação Agrícola dos Estados Unidos (NAAA, na sigla em inglês). Na época, assinando também o sobrenome Coppick – do piloto estadunidense John Coppick, com quem foi casada.
Em 2022, Juliana investiu na compra de um imóvel para montar uma cafeteria oferecendo aos norte-americanos o sabor dos grãos de seu Estado. Foi o suficiente para conquistar a cidade de Springfield, no Estado de Illinois. Com a Aviatori Coffee House (claro que a temática tinha quer ser aviação) levando à população local a combinação dos grãos e do pão mineiro. Tanto que em apenas cinco meses o estabelecimento já havia sido eleito pela imprensa local como segunda melhor cafeteria da cidade de mais de 110 mil habitantes.
Mas, como quem tem asas não fica muito tempo em solo, Juliana voltou a voar lavouras, mas de olho também no combate a incêndios. Fez o treinamento para operar hidroaviões e depois mirou no AT-802F Fire Boss. Em 14 de fevereiro deste ano, tornou-se a primeira brasileira a voar o modelo, durante a etapa de treinamento na Flórida.
Juliana teve sua primeira operação real em pleno dia 4 de julho – data da Independência dos Estados Unidos. Foi contra chamas próximo a um aeroporto no Estado de Washington. Duas horas depois – conforme relatou em sua conta no Linkedin, foi despachada para outro incêndio. Este em uma área de 340 hectares, onde ela e o líder da operação repetiram 11 vezes as manobras de scooping e lançamento sobre as chamas.
“Alguns nos chamam de heróis. Bem, esse é um título pesado para carregar. Gosto de dizer que somos pessoas comuns fazendo algo extraordinário”, encerrou a postagem.